quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Belém 400 Anos: Como é o BRT de Curitiba. Para entender por que o ...

Por Vicente Cidade

Belém 400 Anos: Como é o BRT de Curitiba. Para entender por que o ...:

Como é o BRT de Curitiba. Para entender por que o BRT de Belém está mal planejado.

Retomo o assunto do BRT de Belém, sobre o qual falei antes,
no postsobre o Ação Metrópole. O que o motiva é, simplesmente, um comentário de uma tia, que, vivendo hoje em Curitiba, e em férias em Belém, observou, enquanto passávamos pela Almirante Barroso, que há um grande problema com o BRT de Belém: o fato de ele ser, simplesmente, um linhão, sem linhas de integração de fato, que cortem a cidade em outras direções.
Foi apenas a observação de uma usuária do BRT mais conhecido do mundo, não de uma especialista. Fiquei pensando se procede. De fato, afinal, o BRT de Belém tem um perfil troncal, sem linhas radiais ou circulares. Em que medida isso pode constituir um problema para um sistema desse gênero?
Bom, antes vejamos melhor como é o BRT de Curitiba. O gráfico abaixo sintetiza sua estrutura geral:


É claro que a expansão urbana de Curitiba se dá num formato radial, ao contrário de Belém, mas o que interessa, de fato, não é o formato, e sim as características desses sistema, as quais seriam:


Ampla acessibilidade com o pagamento de uma única tarifa;

Prioridade do transporte coletivo sobre o individual;
Caracterização tronco/alimentador;
Terminais de integração fechados;
81Km de canaletas, vias ou faixas exclusivas, caracterizando corredores de transporte;
Terminais fora dos eixos principais, que ampliam a integração.
Abrangência Metropolitana.
Nenhuma dessas características estará presente no BRT de Belém. Em primeiro lugar porque o projeto tem visão restrita: é estritamente municipal, não se articula dentro de um programa mais amplo, que pense conjuntamente todos os municípios da região metropolitana – enquanto que a população desses municípios será usuária quotidiana do sistema de transporte instalado.
Em segundo lugar porque, até o momento, ninguém informou como se dará a alimentação/integração do tronco, pelas linhas que o cortam.
A imagem abaixo mostra a extensão do sistema BRT de Curitiba:



Outro ponto a considerar, e que compreendo ser o problema real da observação feita pela minha tia, é que o sistema de BRT de Curitiba é pensado de modo integrado com as diferentes demandas de transporte da cidade, e não como uma via troncal única. O BRT de Belém é concebido como uma via única que, pelo volume de sua demanda e pela alta concentração de empresas de transporte, que continuarão a atuar sem qualquer racionalização (critica que já fiz no posta anterior referido), com suas múltiplas e desnecessárias linhas, irão sobrecarregar essa via única, ampliando o caos em que já se vive, porque não oferece condições de diminuição da sobrecarga.

Como funciona em Curitiba? O conceito é o seguinte: o sistema é sempre pensado como duas vias:

Via Central: Canaleta central exclusiva para a circulação das linhas expressas (transporte de massa) e duas vias lentas para acesso às atividades lindeiras. A via exclusiva confere ganhos significativos para a velocidade operacional das linhas expressas.

Vias Estruturais: Duas vias paralelas à via central com sentido único, situadas a uma quadra de distância do eixo, destinadas às ligações centro-bairro e bairro-centro, para a circulação dos veículos privados.
Em Belém teremos apenas a via central.
Bom, é claro que se dirá algo como: é o começo, depois haverá uma expansão, nem em Curitiba se fez tudo de uma só vez...
E isso é verdade. Porém, em Curitiba, o sistema surge de um planejamento cuidadoso, dotado de um cronograma de expansão eficiente.
Em Belém não se tem nada disso. Não se pensou no futuro, nem em expansão. Não se tem conceito.
Tem-se a eterna incompetência do prefeito Duciomar e de sua equipe de nulos.

Corredores de Transporte

E por falar em conceito, vamos entender melhor qual é o verdadeiro conceito de um BRT. É o de ser um corredor de transporte – e não, exatamente, uma via.
Por corredor de transporte se deve entender o eixo estrutural de desenvolvimento urbano, com as seguintes características:

Ordenam o crescimento linear do centro;

Caracterizam as maiores densidades demográficas;
Priorizam a instalação de equipamentos urbanos;
Concentram a infra-estrutura urbana;
Definem uma paisagem urbana própria;
Traduzem os mecanismos do planejamento integrado do uso do solo;
Ordenam o sistema viário e o transporte coletivo;
Ou seja, por meio do planejamento do transporte público integrado se consegue racionalizar a própria vida urbana, gerando qualidade de vida para todos.
Um prova disso: Em 1974, 92% dos usuários da rede de ônibus local se deslocavam, cotidianamente, até a região central de Curitiba. Já em 2003, em função da estruturação dos corredores de transporte, apenas 30% dos usuários tem como destino o centro da cidade.
Na foto abaixo dá para entender melhor essa filosofia: em vermelho e em verde tem-se a via central. Em azul, as vias estruturais. É o seu conjunto que produz o efeito racionalizador urbano:

Terminais de Integração
Mais um ponto a considerar, que se apresenta como fundamental na estruturação do sistema de Curitiba, são os “terminais de integração” – estações que permitem a integração entre as diversas linhas que formam a Rede Integrada de Transporte (expressas, alimentadoras, linhas diretas e interbairros).
Ok, a publicidade de Duciomar informa que o BRT de Belém terá também esses terminais de integração. Mas estou convencido de que a turma desse prefeito infeliz não tem ideia do que é isso, de fato.
A questão é: o que será integrado? Em Belém, o máximo de integração que haverá é com as outras linhas de ônibus, todas elas de grande extensão e quase todas elas, em algum momento de seu trajeto, passando pelo mesmo corredor urbano que constitui o tronco do BRT.
Em Curitiba o BRT integra linhas alimentadoras mais curtas, com melhor atendimento aos bairros, ampliando o número de viagens a partir da diminuição do tempo de percurso.
Por lá, os terminais promovem ainda a estruturação dos bairros, concentrando atividades diversas no seu entorno.
A imagem abaixo mostra a estrutura de uma dessas estações de integração:


Por fim, é interessante ver como o sistema de Curitiba possui toda uma coerência: não se trata de pensar somente o BRT troncal, tudo está integrado e a população identifica os componentes do sistema por meio das cores dos veículos, também reproduzidas nas indicações de direção. A imagem seguinte mostra a composição da frota da região metropolitana de Curitiba. Nela, podem-se ver os vários tipos de veículos, com sua capacidade de passageiros. Percebe-se como a coerência a racionalidade fazem toda a diferença. O expresso troncal principal, por exemplo, tem apenas 2 linhas. Em Belém haverá 30, 35 linhas, sem nenhuma coerência.

Pior, as linhas troncais farão o papel, também, de linhas alimentadoras, complicando ainda mais a situação.
O quadro seguinte mostra a composição da frota do sistema de Curitiba:


Gestão e Operação do Sistema

Como funciona o sistema de Curitiba? Em síntese, uma lei, de 2008, criou uma empresa pública, a URBS - Urbanização de Curitiba S.A., a quem compete a regulação, o gerenciamento, a operação, o planejamento e a fiscalização do chamado “Sistema de Transporte Coletivo de Passageiros do Município de Curitiba” e de sua região metropolitana.
Essa empresa não possui veículos. Ela contrata outras empresas que vão efetivar o serviço, apenas gerenciando todo o processo. Sua funções, em síntese, são:

Contratar as empresas operadoras;

Definir itinerários, pontos de paradas e horários;
Determinar tipos e características dos veículos;
Vistoriar a frota e fiscalizar os serviços;
Definir o custo por quilômetro e propor tarifa;
Controlar a quilometragem rodada e passageiros;
Gerenciar a receita e remunerar as empresas por quilômetro rodado.
A operação do sistema é executada por empresas privadas, através de concessão. A estas empresas compete:

Adquirir a frota de ônibus de acordo com as determinações da URBS

Contratar e remunerar pessoal de operação (motoristas, cobradores, etc);
Manutenção e limpeza dos veículos
Executar as ordens de serviços encaminhadas pela URBS;
Arrecadar a tarifa
Repassar a arrecadação à URBS .
A relação das Empresas Operadoras do Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba pode ser consultada através do link http://www.empresasdeonibus.com.br/empresas.php

Para concluir, ainda uma informação importante: O sistema de Curitiba desenvolveu mecanismos de racionalização baseados na ideia de agilidade que podem render boas lições a Belém e a outras cidades. Exemplo disso é a tela mostrada na imagem abaixo, à disposição do condutor do veículo e que, por um simples toque, transmite instantaneamente a informação sobre situações de emergência, que podem ocorrer, à central de operações:



Também mostro uma fotografia da central de operações do BRT de Curitiba. Para mostrar como é importante a tarefa de gerenciamento do sistema:



Como é a tarifa?

A tarifa cobrada dos usuários do transporte coletivo constitui arrecadação pública, sendo recolhida pelas empresas operadoras e gerenciada pela URBS.
O Poder Executivo fixa a tarifa com base na planilha de custos do sistema, precedida de proposta da URBS.
Para quem se interessar em entender melhor, recomendo os seguintes links:

Composição da Tarifa: http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/P...11_01_2009.pdf

Preço dos insumos: http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/P...os_insumos.pdf
Metodologia utilizada para a composição da tarifa: http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/P..._2009_site.pdf
Evolução da Tarifa: http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/P...evolucaotarifa
Como é o pagamento das passagens?
Pode ser por dinheiro ou por meio de um cartão magnético, o que agiliza bastante a movimentação do sistema.

Em 2010, a URBS ativou 1.454,128 cartões transporte. 44% das passagens da RIT são pagas com o cartão. Há mais de 20 mil empresas cadastradas na URBS para a utilização do cartão transporte por seus funcionários. Deste total de empresas, cerca de 8 mil adquirem créditos de vale transporte por meio do portal da Prefeitura na Internet.


Os números do BRT de Curitiba

2.365.000 PASSAGEIROS TRANSPORTADOS DIARIAMENTE
1915 ÔNIBUS
355 LINHAS
364 ESTAÇÕES TUBO
30 TERMINAIS DE INTEGRAÇÃO
6 CORREDORES DE TRANSPORTE
INTEGRAÇÃO COM 13 MUNICÍCIOS DA REGIÃO METROPOLITANA
Fica a lição para o futuro prefeito de Belém tentar salvar o BRT do Duciomar, fazendo uma obra mais decente e mais inteligente.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

VENEZUELA: SUSPEITAS EM TORNO DA EXPLOSÃO DA REFINARIA

O incêndio no gigantesco complexo continuava no domingo
 circunscrito a dois tanques (Foto: da Internet)
Do blog Evidentemente, de Jadson Oliveira

De Caracas – Muito além do corre-corre natural diante da tragédia causada pela explosão do maior complexo de refinação de petróleo do país – chamado Amuay, no estado ocidental de Falcón, na madrugada de sexta para sábado (41 mortes confirmadas até domingo) -, há a guerra midiática em plena campanha eleitoral em que concorre o presidente Hugo Chávez, buscando sua segunda reeleição no dia 7 de outubro.

E, claro, estão no ar muitas especulações e muitas suspeitas, nas quais joga um papel fundamental o chamado terrorismo midiático, nacional e internacional, que mira em Chávez como um dos seus vilões prediletos. E para reforçar as suspeitas, começou a circular pela blogosfera neste domingo uma matéria citando várias “coincidências” (veja mais abaixo).

Como tenho dito neste blog, em várias ocasiões, não saem da agenda diária da campanha presidencial os alertas dos chavistas e analistas quanto ao “plano B” que estaria sendo germinado a partir das hostes da direita, que tem como candidato Henrique Capriles Radonski, governador do estado de Miranda, já que é tida como muito provável, mais uma vez, a vitória eleitoral do chavismo.

Diante da tragédia da refinaria, todos se lembraram das ressalvas feitas por dirigentes de institutos de pesquisa, ao anunciarem repetidas vezes a folgada diferença das intenções de voto em favor do chefe da chamada revolução bolivariana: a vitória de Chávez só pode ser revertida se acontecer alguma catástrofe, algum evento extraordinário que provoque uma "comoção coletiva", afetando a imagem política do presidente candidato.

A comentarista internacional e advogada Eva Golinger, muito reconhecida no seio das forças bolivarianas, escreveu em sua conta no Twitter: “Não se pode ainda chegar a conclusões sobre a tragédia em Amuay, mas não seria a primeira vez que há sabotagem contra o Estado às vésperas de eleições”. (Faltam 41 dias para a votação).
Mario Silva é considerado um "guerrilheiro midiático" por seu
 confronto diário pela TV contra os meios de imprensa da direita
(Foto: da Internet)
O apresentador Mario Silva, do celebrado programa La Hojilla (A navalha), da estatal Venezolana de Televisión (VTV), comentou na noite deste domingo – vai ao ar normalmente a partir das 23 horas – que o encadeamento da cobertura de TVs internacionais com a local Globovisión foi realmente de chamar a atenção no sentido de atrair suspeitas. Da rede de imprensa privada, Globovisión é aqui o maior destaque por seu radical anti-chavismo, inclusive por sua participação no golpe de abril de 2002. Não é à toa que os chavistas se referem a ela como Globoterror.

Claro que a cobertura dos conglomerados privados da mídia enfocou principalmente opiniões e declarações sobre falta ou falhas nos serviços de manutenção e descaso do governo quanto à prevenção de acidentes. Foi divulgado, por exemplo, que moradores das vizinhanças da refinaria vinham se queixando de forte cheiro de gases, e as providências devidas foram negligenciadas. Noticiou-se também a suposta ameaça de falta de combustível, o que foi desmentido pelo governo.

Isso levou Chávez a repudiar os que querem tirar proveito político da situação, comentando quando de sua visita ao local: “Recomendo não cair em especulações, não especular, sobretudo os meios de comunicação. Quem está por aí divulgando coisas como essas, que podem causar alarme, é irresponsável ou fala sem conhecimento”. Sobre as várias hipóteses em torno do episódio, ele declarou que por enquanto nao descarta nenhuma.

As “coincidências” que intrigam

A matéria foi produzida pela estatal Agência Venezuelana de Notícias (AVN) e divulgada pela blogosfera, atribuindo as informações à coleta feita na rede social Facebook pelo “cidadão” J. W. Wekker Vega. A primeira “coincidência” teria sido a presença de uma pessoa com uma câmera profissional, às 2 horas da madrugada, nos arredores da refinaria, tendo filmado a primeira explosão. As imagens foram difundidas “com exclusividade”, em tempo recorde, pela Globovisión.

A matéria da AVN diz que à mesma hora da explosão foram registradas invasões de hackers nos sítios da Internet de três órgãos do Estado venezuelano: da Comissão de Administração de Divisas (Cadivi), do Observatório Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e da Defesa Pública.

Outros indícios suspeitos: poucos minutos depois da tragédia foram disparados pela Internet milhares de “torpedos”, inclusive através de difusores automáticos; o tratamento “politiqueiro” dado ao fato por dirigentes da oposição, com ataques contra Chávez e a Pdvsa, a estatal de petróleo; e a circulação de informações falsas sobre o abastecimento de combustíveis, numa tentativa de gerar insegurança e caos social.

Pelo sim, pelo não, o sociólogo e cientista político argentino Atilio Boron publicou em seu blog matérias sobre as suspeitas (inclusive a da AVN referida acima), com o comentário:

“A explosão (...) não pode senão despertar suspeitas de que poderia tratar-se de uma das típicas sabotagens que o governo dos Estados Unidos costuma levar a cabo - através de diversos meios e agências - contra governantes que não se submetem às suas ordens. (...) Será o caso de acompanhar de perto as notícias e não me surpreenderia de forma alguma se num futuro não muito distante nossas suspeitas chegarem a ser cabalmente confirmadas”.

Jadson Oliveira é jornalista baiano e vive viajando pelo Brasil, América Latina e Caribe. Atualmente está em Caracas (Venezuela). Mantém o blog Evidentemente - www.blogdejadson.blogspot.com

domingo, 26 de agosto de 2012

OS ASSEXUADOS: ENTRA EM CENA A QUARTA ORIENTAÇÃO SEXUAL

Do blog Evidentemente, de Jadson Oliveira
 
Por The Independent (traduzido de Aporrea.org, de 21/08/2012)
 
Em papos de pátios de recreio, pelas ruas, em revistas, jornais e na televisão, nos e-mails não desejados em nossos computadores, o sexo é um tema de todo dia. Entretanto, uma pequena e comumente mal entendida minoria da população é quase totalmente ignorada: os que não sentem absolutamente nenhuma atração sexual por outras pessoas.

Um livro que será publicado no Reino Unido no próximo mês diz que esses homens e mulheres - se estima que 1% da população - devem ser reconhecidos como uma quarta orientação sexual: assexuais (ou assexuados).

O livro do professor Anthony Bogaert, "Entendendo a assexualidade", sustenta que um número cada vez maior de pessoas se considera assexual. Ele crê que os assexuados são "uma população pouco estudada" que pode sentir-se excluída da nossa "cultura muito sexualizada". Diz que nossa sociedade "deve colocar suas expectativas em ambos, as pessoas sexuais e as assexuais, mas em particular nas assexuais".

Josué Hatton, de 23 anos, estudante de idiomas de Birmingham, está de acordo. "Há três anos me encontrei com a assexualidade, isso me explicou tudo, já não tinha que mentir para mim mesmo. Se supõe que os jovens tenham algum tipo de sexo casual, é o que pensa todo mundo.
Agora me sinto mais à vontade...."

Bogaert, professor associado na Universidade de Brock, no Canadá, define a assexualidade como uma total falta de atração sexual. "Existem duas formas: as pessoas que têm algum nível de desejo sexual, mas não dirigem esse impulso para os demais (se masturbam), e outras que não têm desejo sexual em absoluto".

A primeira conferência não-acadêmica para abordar a assexualidade foi realizada na Universidade de Southbank, Londres, no mês passado. Michael Doré, organizador da conferência World Pride (Orgulho Mundial), disse: "Queremos que se reconheça a assexualidade como uma orientação sexual válida, em lugar de um transtorno ou algo que a gente tem que esconder".

O termo assexual se fez popular em 2001, quando David Jay lançou o sítio web "Visibilidade Assexualidade e Rede de Educação".
Atualmente tem mais de 50.000 membros em todo o mundo.

A comunidade assexual se compõe de pessoas que se definem como hetero-românticas, o que significa que têm sentimentos românticos dirigidos ao sexo oposto, ainda que não desejo sexual; como homo-românticas, que sentem afeto pelo mesmo sexo; e como bi-românticas.

Tradução do inglês: Aporrea.org

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Assassino de John Lennon tem pedido de liberdade rejeitado pela 7ª vez

 
DA FRANCE PRESSE
As autoridades penitenciárias americanas rejeitaram nesta quinta-feira (23) o sétimo pedido de liberdade de Mark David Chapman, o homem que assassinou o ex-beatle John Lennon em 1980, em Nova York.
"Sua libertação neste momento afetaria de maneira importante o respeito pela lei e tenderia a banalizar a trágica perda humana que você causou como resultado de seu crime atroz, não provocado, violento, frio e calculado", afirmam as autoridades em um comunicado.

France Presse
Fotografia da ficha da polícia de Mark David Chapman, que matou John Lennon
Fotografia da ficha da polícia de Mark David Chapman, que matou John Lennon
  
"Quem souber dizer a exata explicação
Me diz como pode acontecer
Um simples canalha mata um rei
Em menos de um segundo
Oh! Minha estrela amiga
Porque você não fez a bala parar"


Beto Guedes

A decisão foi adotada após uma audiência por videoconferência na quarta-feira com Chapman, de 57 anos e que está detido na penitenciária de segurança máxima de Wende, em Alden, estado de Nova York.
Chapman foi condenado em 1981 a uma pena que podia ir dos 20 anos até a prisão perpétua pelo assassinato de Lennon diante do prédio em que o ex-Beatle morava de frente para Central Park, em Nova York.
Este foi o sétimo pedido de liberdade de Chapman desde 2000, ano em que passou a ter a possibilidade de deixar a prisão. A próxima audiência do caso está marcada para agosto de 2014.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CHÁVEZ SURFA NOS NÚMEROS DAS PESQUISAS E DA ECONOMIA

Os atos de campanha continuam: neste sábado, dia 18, os chavistas receberam o presidente-candidato em San Félix, no estado de Bolívar (Foto: AVN)
A última da Hinterlaces dá 61,45% a 38,55% e os índices da inflação, do crescimento e do desemprego só reforçam a posição do presidente. O que mais preocupa os chavistas é o “plano B” da direita

Por Jadson Oliveira, do blog Evidentemente
 
De Caracas (Venezuela) – Perguntei a um comerciante português (dono de bar e restaurante português por aqui é o que não falta) quem vai ganhar: o presidente Hugo Chávez ou Henrique Capriles, o candidato da oposição? Resposta pronta: Chávez. Por que? Porque onde há 30 ricos, há 70 pobres. A avaliação rasteira do português bate com os resultados de todas as pesquisas de opinião consideradas confiáveis, dando uma diferença que varia de 15 a 30 pontos percentuais a favor do presidente-candidato nas eleições de 7 de outubro. E as variações vêm se mostrando basicamente estáveis desde o início oficial da campanha, em 1º. de julho.

A última pesquisa da Hinterlaces, um dos institutos mais respeitados, divulgada na quinta-feira, dia 16, aponta 61,45% a 38,55%, diferença de quase 23 pontos a favor de Chávez, no caso da pergunta citando os nomes dos dois candidatos. A intenção do voto, sem o estímulo dos nomes, deu: 48% - Chávez; 30% - Capriles; 18% - não sei, não respondeu; 4% - nenhum. Quem você acredita que vai ganhar? 61% - Chávez; 25% - Capriles; 14% - não sei, não respondeu.

Tais números foram reforçados pelos índices da economia fechados com base em junho e julho e divulgados durante a semana passada, dando ao chavismo uma condição mais confortável do ponto de vista eleitoral, se é mesmo que a economia é importante para a população direcionar seu voto, como diz a maioria dos analistas.
A variação anualizada da inflação de janeiro/2010 a julho/2012
A inflação de julho, por exemplo, fechou em 1%, um dado considerado bom para a realidade venezuelana, obrigada a conviver com índices na faixa de até 31% nos últimos dois anos. A variação anualizada vem caindo paulatinamente nos últimos sete meses: estava em 27,6% em dezembro/2011 e agora em julho/2012 chegou a 19,4%, conforme dados do Banco Central e do Instituto Nacional de Estatísticas. A meta do governo para este ano é justamente ficar abaixo dos 20%.

PIB crescendo em tempos de crise

Também o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), nesses tempos magros de crise nos países centrais do capitalismo, foi motivo de júbilo entre as fileiras bolivarianas. O PIB cresceu no segundo trimestre deste ano 5,4%. No semestre ficou em 5,6%, já que no primeiro trimestre tinha crescido 5,8%, superando assim, por enquanto, a meta oficial de 5% prevista no orçamento de 2012. Já a taxa de desemprego ficou em 7,4% em julho, mantendo a tendência de baixa.

O presidente Chávez comemorou esses números, comentando que o crescimento do PIB vem decaindo nos países mais representativos do capitalismo, a exemplo dos Estados Unidos, onde os índices ultimamente têm variado de 1 a 1,5%. Lembrou que na Europa têm batido na casa de 0,2%.

A ameaça de tormentas para as lideranças e militância da chamada revolução bolivariana vem, na verdade, de outros âmbitos. Vem do tal do “plano B” da direita venezuelana e do império estadunidense, que não se conformam com a perspectiva da derrota eleitoral e contam com o respaldo do chamado terrorismo midiático. Não há um dia sequer sem que alguma liderança do governo, da esquerda, dos movimentos sociais - ou o próprio “Comandante” - venha a público, de alguma forma, para alertar contra os riscos de desestabilização, já que – argumentam os chavistas - a oposição sabe que vai perder e se recusa a reconhecer a derrota como uma decorrência natural da escolha dos eleitores. Por exemplo, não reconhece a lisura do “árbitro da partida”, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE, equivalente ao nosso TSE). “Vai cantar fraude”, garantem.
No mesmo dia 18, os anti-chavistas receberam seu candidato em Los Valles del Tuy, no estado de Miranda (Foto: Guillermo Suárez/Lapatilla.com)
Ultimamente tal cenário ganhou um ator de peso na direita sul-americana: o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. Quer dizer, mostrou que ainda tem peso, apesar de possíveis desgastes sofridos em seu país, com a prisão recente de familiares e do seu ex-chefe de segurança, general aposentado Mauricio Santoyo Velasco, acusados de envolvimento com o narcotráfico e os paramilitares.

Não faltou tempo a Uribe, “faltaram culhões”

Os chavistas denunciaram ligações de líderes da campanha de Capriles com Uribe e este chegou a declarar que, quando presidente, iria atacar supostas bases guerrilheiras das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território venezuelano, mas lhe “faltou tempo”. Chávez não perdeu a deixa: respondeu que o problema não foi falta de tempo – “faltaram culhões”, disparou.

Outro dado nessa área nebulosa de temores e ameaças: na semana retrasada o governo anunciou que as forças de segurança tinham prendido um norte-americano, com formação militar, suspeito de ser mercenário. Veio da Colômbia e no seu passaporte, que tentou rasgar ao ser preso, registra passagens por países como Iraque, Afeganistão e Jordânia, dentre outros. Não quis dar informações. Tinha em seu poder um caderno cheio de coordenadas, que rasgou em parte, mas a polícia estava tentando decifrar os escritos.

E há duas semanas, o jornalista José Vicente Rangel denunciou na sua página do Últimas Notícias, considerado o jornal mais lido do país, que “há algo por trás” da campanha midiática de descrédito contra a Força Armada Nacional Bolivariana. “Em política nada é inocente, sobretudo quando provém de setores com experiência desestabilizadora”, diz, frisando que o roteiro é igualzinho ao do golpe de 11 de abril de 2002. Nesta área, particularmente, deve ter informações privilegiadíssimas, pois no golpe de 2002 ele era ministro da Defesa de Chávez. Na noite deste domingo, dia 19, no programa que mantém na emissora privada de TV, a Televen, chamado José Vicente Hoje, Rangel volta à carga repisando sua denúncia (Para ler mais sobre isto aqui no Evidentemente).

É por aí que andam as principais preocupações dos chavistas. É certamente por isso que Chávez, em meio à correria de governar e fazer campanha, “navegando” no mar de gente pelas ruas e praças do país, não esquece de advertir, como o fez num discurso recente: “A nossa revolução é democrática e pacífica, mas não é desarmada”.
 
Jadson Oliveira é jornalista baiano e vive viajando pelo Brasil, América Latina e Caribe. Atualmente está em Caracas (Venezuela). Mantém o blog Evidentemente - www.blogdejadson.blogspot.com .

terça-feira, 14 de agosto de 2012

PRIMEIRA GENERAL LÉSBICA DO EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS

Tammy Smith, 49 años, foi promovida a general de brigada (Foto: wiltondriveonline.com)
Do blog Evidentemente, de Jadson Oliveira
 
De Caracas (Venezuela) - O Exército norte-americano acaba de ascender à patente de general de brigada uma lésbica que não esconde sua orientação sexual. É a primeira vez que isto acontece. Trata-se de Tammy Smith, de 49 anos, que serviu no Afeganistão entre 2010 e 2011, conforme matéria desta segunda-feira, dia 13, publicada no portal venezuelano Aporrea.org e atribuída ao sítio RT.com.

A esposa de Smith, Tracey Hepner, é uma conhecida ativista pelos direitos das minorias sexuais e foi quem colocou as estrelas de general no seu uniforme durante o ato oficial de promoção.

Sempre de acordo com as informações de Aporrea.org, o casal Smith e Hepner legalizou sua relação em março do ano passado no distrito federal de Columbia, onde os matrimônios homossexuais foram permitidos legalmente a partir de dezembro de 2008.

Sue Fulton, uma veterana do Exército e membro da direção da associação OutServe, que luta pelos direitos dos gays no Exército, festejou num comunicado anunciando a promoção de Smith.

"Durante anos, os generais e almirantes gays e lésbicas se viram obrigados a ocultar seus parceiros com a finalidade de proteger suas carreiras. É um grande dia para nosso Exército e para nossa nação que uma líder valente seja finalmente capaz de ser reconhecida como sua esposa", disse Fulton.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

UM BRASILEIRO NA GUERRILHA BOLIVIANA

Por Daniel Cassol - Pública*
A história do estudante gaúcho que denunciou torturas da ditadura, tornou-se guerrilheiro na Bolívia e desapareceu nas montanhas andina
 
 
Os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional estão quase completando a travessia do rio Chimate, ao norte da Bolívia. Acossados  pelos militares, precisam ser rápidos. A vanguarda já atravessou o rio e a coluna do centro avança, observada por Raúl e Dippy, soldados da retaguarda destacados para indicar aos companheiros o caminho seguido pelas duas colunas da frente. No relógio, “expropriado” pela guerrilha, Dippy vê que são seis horas da tarde do dia 1º de setembro de 1970.
Uma patrulha militar ataca e a guerrilha se parte em duas. A retaguarda não consegue atravessar o rio. Raúl e Dippy correm mato adentro para escapar dos tiros. Esperam até a noite, talvez sejam encontrados pelos companheiros. Escutam disparos de morteiros e percebem que será impossível atravessar o rio.
A retaguarda nunca mais iria se reencontrar com o resto da tropa. Raúl e Dippy, estrangeiros em solo boliviano, ficariam sós.
Raúl é o nome de guerra do peruano Antero Callapiña Hurtado, estudante de engenharia civil na Polônia, recrutado para a guerrilha, assim como dezenas de jovens latino-americanos que estudavam em países socialistas. O outro, Dippy, era o único brasileiro entre os 67 combatentes que subiram as montanhas de Teoponte, a cerca de 200 quilômetros ao norte de La Paz, para retomar a guerrilha em Ñancahuazú, abortada três anos antes com a morte de seu comandante, Ernesto Che Guevara.
Dippy entrou com o codinome Eugenio, mas todos os chamavam pelo apelido adquirido no treinamento em Cuba, por abrasileirar a expressão “de pinga” – “di pinga”, ele dizia -  popularmente usada para se referir a algo formidável. Daí, virou Dippy.
Apartados do grupo, peruano e brasileiro passam quase 30 dias lutando pela sobrevivência na selva boliviana. Comem palmito e mascam folhas de coca para não morrer de inanição. Tentam chegar a algum povoado sem serem capturados pelo Exército. No último registro de seu diário, o brasileiro escreve:
- Hoje é uma data que não posso deixar de lembrar: dia 25. Faz quatro meses que me casei com Susana e hoje lembro dela mais do que nunca. Sinto falta dela e quero encontrá-la. Espero fazer isso antes do dia 1º de novembro e não pretendo me separar dela nunca mais.
O reencontro com a esposa, que àquela altura esperava um filho, nunca aconteceria.
Gaúcho de Formigueiro
Luiz Renato Pires Almeida é um dos 13 desaparecidos políticos brasileiros em território estrangeiro. As circunstâncias de sua execução nunca foram esclarecidas, tampouco seu corpo foi encontrado. O caminho que o levou de Formigueiro, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu em 18 de novembro de 1943, até as montanhas bolivianas, onde morreu no começo de outubro de 1970, é o que se conta a seguir.
Caçula de 11 irmãos, filho de um agricultor, Lucrécio, e de dona Doca, apelido de Maria Conceição, o menino de Formigueiro foi morar na cidade aos 7 anos, quando o pai comprou uma “venda” em São Sepé, então sede do distrito. Em março de 1951, a família se instalou numa casa localizada no número 747 da rua 7 de Setembro.
Era um guri “medonho”, lembra a irmã Deni, e gostava de jogar futebol. Cursou metade do ginásio no Colégio Madre Júlia, de freiras, e concluiu o ensino fundamental no Colégio Estadual Tiaraju, onde fazia parte da chapa eleita para o Grêmio Estudantil em 1960. Ainda assim, contam os amigos, o garoto gostava mais das festas do que da política.
No Rio Grande do Sul, vivia-se a efervescência da Campanha da Legalidade, liderada em 1961 pelo governador Leonel Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro, para garantir a posse do presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. A família comandada pelo pai, simpatizante da União Democrática Nacional (UDN), era politicamente conservadora.
A primeira influência mais à esquerda viria do professor Gerôncio Vaz, adepto dos ideais trabalhistas, que se tornaria um grande amigo de Renato. Mas ele só descobriria a política para valer ao se mudar em 1962 para Santa Maria, maior cidade da região, para cursar o Clássico no Colégio Estadual Manuel Ribas, o tradicional Maneco, e cumprir o serviço militar no 7º Regimento de Infantaria. Ali, voltou a ter contato com armas, das quais aprendera a gostar nas caçadas com os irmãos.
Na cintura, uma pistola de três canos
Em fevereiro de 1963, Renato ingressou na primeira turma do Colégio Agrotécnico da recém fundada Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eleito para a diretoria do Centro de Estudantes do Colégio Agrotécnico, entrou de cabeça no movimento estudantil, mobilizado na defesa das reformas de base propostas pelo presidente João Goulart.
Ao 20 anos de idade, mais velho que a maioria da turma do ensino técnico, Renato impressionava. “Como era o mais velho da turma, era o líder da gurizada. Gostava de trago, fumava, andava armado. A gurizada achava o máximo”, recorda o colega Beto Vargas, hoje médico na cidade de Bagé. A pistola de três canos que carregava na cintura é uma lembrança dos amigos da época. “Foi a única vez que vi uma pistola daquelas”, recorda Rogério Vargas, irmão de Beto.
Rogério e Beto dividiam um quarto com Renato em uma pensão de Santa Maria. Renato tinha o costume de tomar chimarrão com Rogério pela manhã, para escutarem um programa da Rádio Nacional de Moscou transmitido em português.
Para a família, era visível a transformação do filho mais novo. “Nas primeiras férias que voltou de Santa Maria, era outra pessoa”, diz Zeca, um dos irmãos. “O Renato conversava um pouco com a gente e já vinha com a pregação do Mao Tsé-Tung”, lembra, achando graça. “Não seja tapado, tem que abrir os olhos”, dizia a Zeca. Chamava o pai de “tubarão” por estar politicamente ao lado dos ricos. Mas não deixava de abraçá-lo e chorar quando se despedia da família para retornar a Santa Maria. O apego à casa o faria escrever cartas aos irmãos de todos os lugares onde viveria depois.
Liderança estudantil
Em janeiro de 1964, Luiz Renato retornou de um congresso na Paraíba eleito presidente da União Nacional dos Estudantes Agrotécnicos (UNEA). Quase por acaso assumiu o cargo que o levaria à clandestinidade.
O candidato natural à presidência pela delegação gaúcha era o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, na época com 16 anos – eleição que seria realizada no congresso em Bananeiras (PB), entre 5 e 13 de janeiro daquele ano. Mas Tarso desistiu da indicação em troca de seis passagens áreas para que a delegação gaúcha viajasse à Paraíba, como ele conta hoje:
“Quando nós montamos a nossa delegação, conseguimos passagens com o presidente João Goulart através do meu pai, que era amigo do João Goulart”, relembra Tarso. “Mas aí o meu pai, naquela boa chantagem paterna, disse o seguinte: eu consigo as passagens para vocês, mas tu tens que prometer que não vais ser candidato a presidente da UNEA, tens que voltar para Santa Maria para continuar os estudos. E de fato cumpri a promessa. Chegamos lá, substituímos o meu nome e apresentamos o nome do Luizinho, que foi eleito presidente da UNEA”, conta o governador.
Até os amigos mais próximos ficaram surpresos com a eleição de Luiz Renato, como lembra o colega Eros Marion Mussoi, hoje professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Ele era um cara cheio de vida e ideias, como boa parte da nossa geração. No início não era propriamente um ‘revolucionário’, mas tinha ideias sociais e humanistas muito claras. Um sujeito de um grande coração e preocupado com os outros”, diz.
Para Tarso Genro, de “Luizinho” ficou a lembrança do colega corajoso e do grande amigo. E da pistola de três canos, que ganharia novo significado à medida que a esquerda se inclinava à luta armada para enfrentar a ditadura. “Ele era muito ligado a essa questão da ação militar e achava que a derrubada do regime militar poderia ser feita imediatamente através de ações armadas. Eu até menciono, num poema que eu fiz depois da morte dele, a pistola de três canos, um em cima do outro, que ele usava e era uma memória muito intensa que a gente consolidou, porque aquela pistola era uma identidade que ele tinha, em função da visão que iria percorrer posteriormente”, diz.
Como presidente da entidade, Renato transferiu-se para a Universidade Rural do Brasil (URB) e desembarcou no Rio de Janeiro no dia 2 de março de 1964. Menos de um mês depois, viria o golpe militar.
Memórias esparsas
As lembranças da família são cortadas, esparsas. Após o golpe militar, as notícias de Luiz Renato escassearam. E hoje em dia, remexer nessas histórias é reavivar a dor da perda do irmão caçula.
Deni diz ter ouvido Renato discursando contra o golpe na rádio carioca Mayrink Veiga no dia 1º de abril de 1964. Em um programa da própria UNEA, segundo outra irmã, a Ladi. Luiz Renato e alguns colegas teriam escapado da emissora antes de serem presos pelos militares.
Após o golpe, Luiz Renato fazia aparições esporádicas na casa dos pais, sem dizer exatamente o que fazia nem por onde andava. Em depoimento prestado no Inquérito Policial Militar (IPM), depois da prisão, em março de 1966, disse que “temeroso de ser preso” abandonou a Escola Agrotécnica nos primeiros dias de abril de 1964 e voltou ao Rio Grande do Sul. Passou por São Sepé, reviu a família e teria partido para o Uruguai, assim como fizeram centenas de militantes com alguma ligação com o PTB de Leonel Brizola e João Goulart.
José Wilson da Silva, o “Tenente Vermelho”, hoje capitão do Exército reformado, diz ter conhecido Luiz Renato em Montevidéu, embora não tenha convivido com ele. “Era calmo, muito consciente politicamente, sonhador como todos nós éramos. Tanto que saiu de lá para ir adiante. Enquanto estávamos tentando fazer alguma coisa, estava demorando, foi procurar outras guerras”, conta.
Luiz Renato não era o único a se impacientar com a demora da esperada reação brizolista contra a ditadura, a partir do Uruguai. Em março de 1965, o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório comandou uma tentativa frustrada de guerrilha em Três Passos, desencadeando uma onda de prisões contra militantes ligados a Brizola.
Havia muitos brasileiros no Uruguai. A pedido de Brizola, o desembargador aposentado Eliseu Gomes Torres montou uma comissão para analisar os casos de quem poderia retornar ao Brasil. Torres não se lembra de Luiz Renato, mas é possível afirmar que o estudante tenha voltado em circunstância semelhante. O depoimento dado ao IPM fala que Renato “foi instado por outros a regressar, já que não pesava nenhuma acusação contra si” entre o final de janeiro e o começo de fevereiro de 1965.
Não se sabe exatamente o que fez Luiz Renato em 1965. Eventualmente, aparecia em São Sepé – Deni lembra de ir até a estrada para encontrar o irmão, de madrugada, que estava indo para algum lugar.
No IPM, consta ainda que, em fevereiro de 1966, Luiz Renato foi a Porto Alegre para tentar se matricular no Colégio São Judas Tadeu. Nesta ocasião, teria encontrado o ex-coronel Pedro Alvarez, expulso do Exército após o golpe, “a quem já conhecera em Santa Maria e em cuja residência já estivera hospedado cerca de duas vezes”.
Em 2003, Alvarez, que ainda mora na mesma casa onde hospedou Luiz Renato em 1966, a pedido do também militar José Pires Cerveira, contou: “Ele [Cerveira] me disse: ‘estou com um rapaz, um estudante que veio do Rio, e tenho impressão que já viram que ele está na minha casa. Tu não sabes onde podemos colocá-lo?’. Eu disse: ‘Faz o seguinte, numa noite dessas, em que não haja ninguém por perto, traz ele aqui pra minha casa’. Realmente ele trouxe e ficou aqui bastante tempo, mais ou menos um mês”, relatou Alvarez.
Em nova entrevista realizada em 2012, a memória já não ajuda Alvarez, hoje com 94 anos. Ele ainda lembra do “rapaz muito educado, e bem preparado. Tinha conhecimento da situação, fazia uma análise certa daquele momento, dava a solução”. O irmão Zeca lembra de ter visitado o caçula na casa de Alvarez, acompanhado por Ary, o mais velhos dos irmãos. O código era passar assoviando “Aquarela do Brasil” na calçada. A irmã Ladi conta que estava saindo de um jogo do Internacional no Beira-Rio, ao lado do marido, quando foi surpreendida por um abraço do irmão em meio ao mar de colorados. O Beira-Rio fica próximo à casa de Pedro Alvarez. Foram até uma padaria, o marido de Ladi comprou mantimentos, conversaram até a noite e se despediram.
Um dia, Alvarez teve de viajar para Santa Maria. “Eu disse: ‘Renato, faz o seguinte, não sai pra rua. Se já te viram ali na outra casa, eles podem te localizar aqui’”, contou. “Pois não é que um dia ele saiu e foi na padaria? Prenderam ele e eu não sabia onde ele estava. Até que eu consegui saber que ele estava preso no DOPS.”
O Caso das Mãos Amarradas
Preso por “ligações com o esquema subversivo de Leonel Brizola” no dia 25 de fevereiro de 1966, Renato foi recolhido ao Departamento de Ordem Política e Social. Data deste período o depoimento prestado no dia 10 de março daquele ano. Ficaria 59 dias detido, entre o DOPS e a Ilha do Presídio, pequena ilha no meio do lago Guaíba que funcionou como depósito de pólvora do Exército, laboratório para o desenvolvimento de vacinas, depois prisão de segurança máxima até finalmente ser convertida em cárcere político na ditadura militar. No dia 7 de março, o irmão mais velho de Renato levou objetos de higiene e vestuário até lá.
O próprio Ary ajudaria o irmão a sair da prisão, possivelmente lançando mão das ligações do pai com a UDN para solicitar ajuda junto à Secretaria de Segurança.
Após sair da prisão, já no Rio de Janeiro, Renato escreve uma carta a Deni, provavelmente de setembro de 1966. Conta que está fazendo um curso para trabalhar como jornalista, trata do envio de dinheiro pela família e avisa que, naquele dia, não estava com vontade de fazer mais nada porque estava abalado com uma notícia que havia recebido.
“Os filhos da puta desses traidores da Pátria mataram, afogado e com as mãos amarradas atrás, o sargento Soares, que tanto tempo esteve preso comigo, e ao qual deixei roupas, aparelho de barba e outras coisas. O assassinato foi aí em Porto Alegre e mais ou menos sei quem deu esta ordem. Esses são os homens bons que estão no governo, que vão à missa aos domingos e que durante as madrugadas torturam seus semelhantes como se fossem animais, para depois matar da maneira mais covarde possível. Quanto mais sacrifício passarem os companheiros, mais disposição nós temos para enfrentar os traidores fascistas”, escreve.
O corpo do sargento Manoel Raimundo Soares, sargento do Exército com ideias nacionalistas e militância na organização dos suboficiais, foi encontrado boiando, com mãos e pés atados, nas águas do rio Jacuí no dia 24 de agosto de 1966. O episódio ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”. Foi um dos primeiros casos de tortura e morte por parte dos órgãos de repressão sobre o qual se teve notícia na época.
Luiz Renato dividiu a cela com Raimundo Soares duas vezes. Depois de liberado, enviou uma carta ao jornal Última Hora relatando as idas e vindas do sargento das sessões de torturas e apontando como responsáveis os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza, carta esta que seria lida em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa gaúcha que investigou o caso, no dia 12 de abril de 1967. O estudante também seria entrevistado pelo jornal, depois da publicação da carta.
O primeiro encontro entre Luiz Renato e Raimundo Soares aconteceu no dia 14 de março, em uma cela do DOPS, na rua Santa Luzia, três dias depois da prisão do sargento. Na véspera, Renato havia retornado da Ilha Presídio, onde ficou 19 dias sem ver a luz, sem tomar banho nem comer direito. Às 22 horas do dia 14 de março, conheceu o companheiro de cela. Os policiais deixaram uns trapos velhos na cela, que serviriam de cama, e logo em seguida o preso, só de cuecas, “rosto de nortista”, bigode preto e sinais de tortura no corpo, que se apresentou:
- Sou o Sargento Soares. Para minha honra, fui expurgado do Exército.
Levados à Ilha Presídio, os dois presos ficaram juntos por mais sete dias. Para aplacar o frio, já que não tinham cobertas, dividiam a mesma cama. Quando deixou a prisão, no dia 30 de março, Luiz Renato ouviu do companheiro: “No fim de tudo, nós vamos nos encontrar. Não somos os primeiros a sofrer torturas nem seremos os últimos. Se morrermos não seremos os primeiros nem os últimos. Isso faz parte da nossa luta”.
“A morte pouco importa”
De volta ao Rio de Janeiro, onde ficou pouco mais de um ano, Luiz Renato tentou retomar os estudos e arranjar trabalho. Comunicava-se por cartas com a família, algumas assinadas por “Rodrigo”.
“O que não quero é ficar parado sem fazer nada, sem trabalho e ainda sem estudar”, escreve à irmã em junho de 1966. Também dá explicações à família sobre sua opção de vida: “Sei que o pessoal não admite isto, pensam que sou irresponsável, mas o que vale é minha consciência, é fazer o que penso estar certo e é muito cedo para dar satisfações do que faço”.
Em setembro de 1966, na carta em que revela a decisão de denunciar as torturas do sargento, reafirma a decisão de seguir enfrentando a ditadura. “Este governo não é eterno, ele muda e com ele mudarão os homens, então se fará justiça, se punirá com dignidade os covardes de hoje, aos que tem coragem com as armas na mão e se tornam covardes quando se defrontam com elas. (…) Estas coisas não desanimam ninguém, pelo contrário, dão mais força e razão para se lutar, a morte pouco importa, interessa-nos é a vitória e tarde ou cedo será conseguida”.
No dia 13 de julho de 1967, informa à família que viajaria a Moscou para prosseguir os estudos. Como milhares de jovens de todo o mundo, Luiz Renato estava de partida para a Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba, batizada em homenagem ao líder anticolonialista e primeiro ministro do Congo, morto em 1961. Luiz Renato cursou o ciclo básico da instituição que recebia estudantes de todo o mundo, com a intenção de ingressar na Faculdade de Agronomia, o que acabaria não acontecendo.
Estudando na URSS
O gaúcho chegou a Moscou em setembro de 1967, prestes a completar 24 anos, e se adaptou rapidamente. Nas cartas, relata as atividades em que se envolvia, com destaque para o futebol e a pequena escola de samba que fazia apresentações em datas festivas da URSS e da universidade. “Estou muito satisfeito aqui, mesmo antes de vir para cá, já sabia mais ou menos que ia gostar. Aqui tenho estudado muito, além dos estudos da Universidade muitas outras coisas interessam-me”, escreve em 27 de novembro de 1967.
O economista Rafael Alves da Cunha, hoje vice-presidente da Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul, também estudou na Patrice Lumumba e foi presidente da União dos Estudantes Brasileiros na União Soviética. A afinidade entre os dois gáuchos foi imediata: Rafael é natural de Caçapava do Sul, vizinha a São Sepé, e os moradores das duas cidades têm sempre na ponta da língua alguma brincadeira sobre os vizinhos.
Luiz Renato era um jovem agitado, brincalhão, festeiro, recorda Rafael. Não chegou a integrar a direção da União dos Estudantes, mas era um militante ativo a quem Rafael recorria sempre que precisava tomar alguma decisão importante. Também estava sempre disposto a participar das atividades promovidas pela entidade, como os concorridos carnavais dos estudantes brasileiros. “Podia contar com ele. Se encarregava de uma coisa, ou da cozinha, ou da bebida, pegava uma coisa, estava sempre pronto”, diz Rafael.
A disposição do colega também tinha grande valia nos jogos de futebol. “Ele era ruim de bola. Mas era gozadérrimo”, conta Rafael. “Entrava dando trombada em todo mundo. Quando botavam para marcar um cara, aquele cara não fazia nada. Ele ficava ao lado, derrubava, fazia qualquer negócio”, diz. No verso de uma foto que enviou a família, Renato contou de uma ocasião em que os brasileiros ganharam “no jogo e no pau” dos campeonatos improvisados entre os colegas de diversas nacionalidades.
Politicamente, Renato demonstrava o mesmo temperamento: não apresentava grandes formulações teóricas, mas tinha disposição para as tarefas políticas e ansiedade pelas ações, lembra Rafael: “Não dava demonstração de muito conteúdo filosófico, político. Mas tinha um entusiasmo fora do comum e uma positividade enorme. Era um guerrilheiro, tinha um espirito de guerrilha. Se eu fosse fazer qualquer coisa numa revolução, gostaria de ter um batalhão de Luiz Renato”, completa.
Com o aumento da influência cubana entre os estudantes, a universidade passou a pressionar aqueles que divergiam da linha soviética, como Renato. Um exemplo foi a tentativa de vetar a realização de um ato em memória de Ernesto Che Guevara, morto em outubro de 1967, conta Rafael. Os alunos reagiam: um dia, as janelas amanheceram tomadas por imagens do Che, reproduzidas pelos estudantes ao longo da noite, contrariando a direção. O ato finalmente aconteceu no pequeno auditório da Faculdade de Economia, transbordando de gente para fora.
As contradições entre os estudantes e a direção soviética tornaram-se ainda mais agudas com as primaveras de Paris e Praga. Em 1968, durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, em Sófia, capital da Bulgária, Luiz Renato estava entre os que participavam dos debates acalorados sobre os rumos da revolução.
“Quando voltou a delegação de Moscou [do festival], ele já estava muito marcado pelo pessoal do partidão. Aí ficou marcado dentro do sistema de vigilância soviético”, diz Rafael.
O chefe da delegação brasileira era o atual vice-prefeito de São Carlos (SP), Emerson Leal, à época vice-presidente da entidade presidida por Rafael. “Ele [Luiz Renato] era um dos defensores mais ferrenhos e combativos da luta armada. Por isso era grande sua sintonia com os estudantes da Bolívia e do Peru, muitos dos quais defendiam essa linha. Principalmente com os bolivianos – afinal, o Che Guevara tinha morrido na Bolívia e os guerrilheiros bolivianos preparavam a segunda fase da guerrilha”, lembra.
“Ele queria ver as coisas acontecerem rapidamente. O Luiz Renato, literalmente, ‘quebrava o pau’, porque achava que nossos países latino-americanos eram governados por ditadores ou por pessoas subservientes aos interesses do imperialismo. E, como dizia, a única linguagem que este ‘pessoal’ entendia, era a da luta armada, como aconteceu em Cuba”, prossegue Leal.
Um dia, Luiz Renato sumiu. “Qual não foi minha surpresa quando vi, em um jornal boliviano mostrado por colegas da Patrice Lumumba, uma foto do Luiz posando junto com outros militantes armados na Bolívia. O jornal noticiava sua morte”, recorda Leal. Tal era o entusiasmo e a radicalidade demonstradas por Renato que militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) chegavam a cogitar que ele fosse um agente infiltrado, fazendo-se passar como revolucionário para conquistar a confiança dos companheiros. De um colega do PCB, ouviu: “Imagine, e eu que pensava que o Luiz fosse um agente da direita”.
Volveremos a las montañas
O boliviano Osvaldo “Chato” Peredo estudava Medicina na Universidade Patrice Lumumba, em 1966, quando recebeu dos irmãos mais velhos, Inti e Coco, a missão de recrutar estudantes dispostos a engrossar as fileiras do Exército de Libertação Nacional, que sob a liderança de Ernesto Che Guevara iniciava sua campanha na Bolívia. Chato recorda bem o encontro com os irmãos no aeroporto de Moscou no dia 7 de novembro de 1966, um dia depois de a guerrilha do Che começar. “Eu queria ir com eles, mas me dão a tarefa de recrutar os estudantes de países socialistas”, diz.
Em setembro de 1967, quando Luiz Renato chegava a Moscou para estudar na Patrice Lumumba, Chato Peredo já havia se graduado médico e andava pelo mundo a recrutar jovens para a guerrilha. Coco morreria no mesmo mês, em combate, e Guevara, em outubro. Inti Peredo seria o principal líder do ELN e um dos cinco sobreviventes da guerrilha do Che a deixar a Bolívia rumo a Cuba, de onde no ano seguinte redigiria o manifesto, publicado em julho de 1968, no qual proclamava: “A guerrilha boliviana não morreu. Voltaremos às montanhas”.
Foi por esse período que Luiz Renato se engajou na “outra guerrilha guevarista” na Bolívia, sequência do movimento iniciado por Che. Chato não sabe precisar se conheceu Luiz Renato em Moscou. “Eu me reunia com as pessoas, e possivelmente assim foi o contato com Renato, porque não recordo o momento em que ele se incorpora”, diz.
A entrada na Bolívia, depois de um período de treinamento em Cuba e de preparação no Chile, se deu em meados de 1969. Futuros guerrilheiros e apoiadores urbanos viviam em pequenos grupos, em casas espalhadas por La Paz. Em setembro daquele ano, antes mesmo de entrar em ação, a guerrilha sofreria um duro golpe com a morte de Inti Peredo, emboscado pela polícia em uma casa onde vivia clandestinamente.
Com a morte de Inti, o dirigente estudantil e mineiro Rodolfo Saldaña assumiu a chefia do ELN, defendendo o retorno ao Chile, para reorganização do grupo. Chato passou a liderar um grupo contrário à decisão do novo comandante. O ELN sofreu novo golpe com a notícia de que os cubanos Pombo, Urbano e Benigno, sobreviventes da campanha do Che, tinham decidido ficar em Cuba em vez de participar da nova empreitada guerrilheira. Em dezembro de 1969 apenas 12 combatentes do grupo original que treinou em Cuba decidiu ficar, lembra Chato. Luiz Renato estava entre os que decidiram continuar.
“Sabíamos que não viriam nem Pombo, nem Benigno, nem Urbano, em quem nós depositamos toda nossa confiança, porque não tínhamos nenhuma experiência guerrilheira. Éramos pessoas inexperientes. Não temos armas, não temos nada, não temos recursos econômicos. Eu afirmo: o dinheiro está nos bancos. Façamos uma ação”, relata Chato.
No dia 30 de dezembro, o ELN assalta um carro forte do Bank of América, que recolhia dinheiro de algumas empresas e terminava o recorrido, naquele sábado, na Cervejaria Nacional. Luiz Renato não participou diretamente da ação. O dinheiro obtido foi utilizado na compra de armamentos e na reorganização da guerrilha, reforçada com a adesão de jovens católicos de esquerda sem nenhuma experiência em combate, o que acabaria contribuindo para a rápida derrota da guerrilha.
Mesmo na Bolívia, prestes a pegar definitivamente em armas, Renato continuou escrevendo para a família. Deni guarda duas cartas. “Na situação em que encontro-me, não é possível mandar notícias seguido”, diz o jovem, então com 26 anos, no dia 27 de junho de 1970. Respondendo à irmã, reafirma sua convicção em pegar em armas. “Como tu disseste, todos temos um ideal e por este temos que lutar, assim entendo também e lutarei até as últimas consequências”, escreve, informando ter se casado, ainda que a companheira soubesse “que poderá ficará viúva mais ou menos rápido”.
Luiz Renato se casou com Susana, militante do ELN que atuava no apoio urbano à guerrilha. Na carta de 15 de julho de 1970 (leia abaixo), pede que lhe mandem a certidão de nascimento, “para que minha mulher possa registrar o filho que deverá, dentro de uns meses, nascer”. Na mesma mensagem, anuncia, escrevendo em portunhol: “Esta possivelmente é a última vez que te escrevo. Amanhã partirei definitivamente para las montanhas, começará la guerra breve e aspiramos expandir por toda América”.
Disposto a qualquer trabalho
No dia 18 de julho de 1970, um grupo de 67 guerrilheiros partiu, em dois caminhões, para a localidade de Teoponte, situada a pouco mais de 200 quilômetros ao norte de La Paz. Bandeiras brancas com um grande “A” azul sinalizavam que aquele seria um grupo de estudantes voluntários da Campanha de Alfabetização promovida pelo governo do general Alfredo Ovando Candia. Dias antes, o próprio ditador havia entregado cartilhas e credenciais a Horácio Rueda Peña, dirigente da Confederação Universitária Boliviana (CUB) e combatente do ELN. Nos caminhões, sob as cartilhas, iam armamentos escondidos.
Luiz Renato estava na retaguarda da guerrilha comandada pelo estudante boliviano, de origem camponesa, Estanislao Vilca. Chato Peredo afirma que chegou a cogitar nomear Luiz Renato como comissário político da guerrilha, mas acabou decidido pelo boliviano Nestor Paz Amora. Renato, inclusive, teria achado melhor não ter essa incumbência, posto que era estrangeiro e não falava bem o espanhol. Ademais, não tinha pretensões de comando.
Luiz Renato é descrito como exímio atirador pelo historiador Gustavo Rodríguez, autor do livro “Teoponte – Sin tiempo para las palabras”. Já Osvaldo Peredo, que foi seu chefe na guerrilha, lembra mais de Luiz Renato como um companheiro disposto a qualquer tarefa. “Do Renato, o que posso dizer é que era um companheiro muito íntegro, disposto a qualquer trabalho e nenhuma pretensão de comando”, lembra Chato.
Chato faria um gesto de reconhecimento ao valor do combatente brasileiro na primeira ação da guerrilha. No dia 19 de julho, o ELN tomou a localidade de Teoponte, assaltou a companhia South American Places e fez reféns dois engenheiros alemães. O rolex de um deles foi dado por Chato a Luiz Renato. “Quando lhe dou o relógio, foi simbólico, como dizer ‘você está por trás de tudo isso’, porque era decidido e disciplinado”, diz Chato.
A guerrilha seria dizimada em cerca de 100 dias. O general Candia havia prometido uma guerra sem feridos nem prisioneiros, e foi mais ou menos o que ocorreu. Inexperientes, os guerrilheiros sucumbiram diante de um Exército muito mais preparado do que na época do Che. Não contavam, além disso, com o apoio da totalidade da esquerda boliviana, que discordava de uma ação guerrilheira contra um governo militar de corte nacionalista. Após o dia 7 de outubro, quando o general Juan José Torres derrubou Candia e assumiu o poder, mandou manter vivos os nove sobreviventes da guerrilha de Teoponte, entre eles Chato Peredo. Luiz Renato, no entanto, já teria sido executado.
Execução
Uma versão falsa sobre as circunstâncias da morte de Luiz Renato há mais de dez anos e é uma das últimas referências ao brasileiro nos jornais. No dia 9 de junho de 1999, o Jornal do Brasil noticiou: “O gaúcho na verdade foi justiçado, junto com outro guerrilheiro, pelos próprios companheiros cubanos e bolivianos. Os dois foram punidos com a morte porque tomaram a lata de leite condensado tirado das provisões”. Até hoje a família de Luiz Renato se incomoda com essa versão, publicada pelo jornal a partir de um equívoco.
Segundo o texto, essa revelação havia sido feita por Cláudio Gutiérrez, ex-preso político gaúcho que chegou a participar de treinamento do ELN no Chile, sem ingressar na Bolívia. Gutiérrez estava lançando o livro “A Guerrilha Brancaleone”, no qual narra sua trajetória no movimento estudantil e na clandestinidade. O episódio teria sido relatado a partir do livro “Memórias de um soldado cubano”, publicado em 1996, em que Dariel Alarcón Ramírez, o Benigno, contou que dois guerrilheiros, um deles brasileiro, haviam sido executados pela guerrilha em razão de um furto de latas de leite condensado. “Luiz Renato era o único brasileiro naquele grupo”, afirmou Gutiérrez ao Jornal do Brasil, que transformou a suposição em fato.
As circunstâncias exatas da morte de Luiz Renato nunca foram esclarecidas – não há registros oficiais -, mas a versão de que o brasileiro teria sido executado pela própria guerrilha é falsa. Em seu diário de campanha, Chato Peredo revela os nomes de guerra dos dois executados pelo próprio ELN: Ferte e Peruchín (Federico Argote Zuñiga, boliviano, e Carlos Brain Pizarro, chileno). O fato aconteceu no dia 26 de setembro, quando Luiz Renato já havia se perdido do restante da guerrilha.
“Foi o exército que o fuzilou. Foram dois companheiros que foram justiçados, porque roubaram a reserva estratégica, roubaram dinheiro e abandonaram os companheiros que haviam ficado ali, esperando o que nós, que estávamos na vanguarda, podíamos conseguir”, disse Chato Peredo em entrevista realizada em 2007. Na entrevista do dia 24 de maio deste ano, em sua clínica médica também em Santa Cruz, reforçou que considera a tese fantasiosa.
No dia 1º de agosto de 1971, cerca de dez meses após o fim da guerrilha, o jornal boliviano El Diário publicou uma reportagem intitulada “Los caídos y verdugos de Teoponte”, difundido pela agência cubana Prensa Latina e assinado por um certo Ariel Rojo, provavelmente um pseudônimo. Trata-se de um relato de como ocorreram as execuções de vários guerrilheiros, entre eles Luiz Renato. Para Gustavo Ostría, entrevistado para esta reportagem em Santa Cruz de la Sierra, uma das hipóteses é que a informação tenha saído de dentro do próprio Exército, durante governo de Juan José Torres, e escrita por algum membro do ELN.
Embora nunca tenha sido comprovado, é um relato plausível e rico em detalhes, do que teria acontecido no dia 26 de setembro de 1970, um dia depois, portanto, do último registro no diário de Luiz Renato. Um camponês do povoado de Yaycurá teria revelado que dois guerrilheiros – nomes de guerra Eugenio e Raúl – estavam no povoado de Masapa, “em muito más condições”. A dupla de combatentes do ELN teria sido traída por “boteros” (barqueiros), aos quais haviam dado dinheiro e seus relógios em troca de serem levados para algum povoado não patrulhado pelos militares. “Mas depois de terem recebido o pagamento, os deixaram em Masapa, povoado que estava a 20 quilômetros de nosso acampamento”, diz o relato.
Antero e Luiz Renato teriam sido presos e levados para o acampamento militar, em Yaycurá, no dia 2 de outubro. No dia seguinte, chegou “um helicóptero para trasladar os prisioneiros à sua última morada, que seria em San Jorge, povoado próximo a Mapiri”, na região de Teoponte.
Às 11h25 da manhã de 2 de outubro de 1971, segundo o relato, Raúl tentou fugir e foi ferido por um soldado. “Eugenio, que estava no chão, sem forças para nada, grita desesperadamente que não o matem, mas o mesmo soldado abre fogo contra ele”, diz o texto. “Raúl e Eugenio caem no chão, queixando-se de dor. Os soldados disparam até acabar com suas vidas”.
Assinando como Carla, Susana escreve uma carta para Deni no dia 25 de janeiro de 1971. “Francamente, não sei como começar esta carta inacreditável”, começa. “Há quatro dias, me asseguraram que Luiz Renato morreu, possivelmente fuzilado pelo Exército”, diz Susana, que conta ainda que o filho deles nasceria “dentro de dois meses”.
Ausência de informações
Não se sabe onde foram enterrados os restos mortais de Luiz Renato, assim como os de vários outros guerrilheiros. Em fevereiro de 2010, o governo Evo Morales entregou aos familiares os restos mortais de quatro guerrilheiros. O trabalho foi realizado pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), com ajuda de pesquisadores bolivianos, entre eles Gustavo Rodríguez Ostría, mas não prosseguiu.
Os arquivos militares do período na Bolívia são fechados. O historiador Gustavo Rodríguez Ostría, que chegou a ser vice-ministro de Educação da Bolívia, conseguiu manusear alguns documentos relacionados à guerrilha durante a pesquisa para seu livro. Entre eles, algumas folhas datilografadas com a transcrição do que seria uma parte do diário de Luiz Renato – com registros esporádicos que, pelo que estava escrito, eram mesmo do brasileiro.
A Associação de Familiares de Detidos, Desaparecidos e Mártires da Libertação Nacional (ASOFAMD) tentou levar adiante um projeto de lei para a abertura dos arquivos militares, mas nunca obteve uma sinalização positiva do governo. “Neste momento, não convém ao governo se indispor com as Forças Armadas”, lamentou Luis Alberto Aparício, presidente da Asofamd, durante conversa em maio na sede da entidade, em La Paz.
Chato Peredo disse ter enviado duas cartas para o presidente Evo Morales, solicitando a abertura dos arquivos militares. “Mas se vê que no Exército há uma resistência grande, porque significa ratificar a imagem de um Exército de fuziladores. Seguramente muitos documentos estão aí, ou estão desaparecendo. E creio que nisso não tem a decisão o presidente Evo Morales de dizer, bueno, descodifiquem. Não me respondeu”, afirmou Chato.
O Ministério da Defesa e o gabinete de Evo Morales não responderam as solicitações de informações para esta reportagem.
O contato com Susana, companheira de Renato na Bolívia e mãe de Mabel, aconteceu já quase no encerramento da reportagem. Na manhã do dia 24 de julho de 2012, Susana atendeu o telefone na Inglaterra, onde vive. Foi solícita, mas não quis dar entrevistas. Limitou-se a dizer: “Prefiro não tocar neste assunto, que dói muito em meu coração. A família de Luiz Renato tem todas as informações e creio que eu não teria mais a acrescentar. Não gostaria que meus sentimentos fossem publicados. É um tema muito doloroso para mim”.

* Daniel Cassol (dbcassol@gmail.comé jornalista free-lancer. Formado pela UFRGS em 2003, mora em Porto Alegre. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.