terça-feira, 29 de outubro de 2013

Votação do Marco Civil da Internet é adiada

Por Murilo Roncolato

O projeto de lei passa a trancar a votação de outros temas; presidente da Câmara anunciou a criação de Comissão na terça que vem
Arte: Marcos Müller/Estadão

SÃO PAULO – Votação do Marco Civil da Internet em plenário foi adiado pela primeira vez após ter sido colocado pela presidência do Executivo em regime de urgência, o que implicaria no trancamento da pauta da Câmara caso não fosse votado dentro do prazo estabelecido – que venceu nesta segunda, 28. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN) anunciou que a decisão veio do pedido de líderes da base governista que teriam alegado falta de consenso sobre a redação do texto. Alves disse que está prevista a criação de um Comissão Geral para discutir o PL na próxima terça-feira, 5.
   
Ao Link, o membro do governo com maior envolvimento nas discussões sobre o tema, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse ter consciência de que o Congresso poderia ter “definições diferentes na lei do Marco Civil” principalmente sobre neutralidade de rede, mas que o governo defenderia a manutenção da redação atual.
O relator do projeto, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), anunciara há algumas semanas que votaria mesmo se não houvesse consenso. Molon confiava que a votação se daria nesta semana, mas previa forte oposição ao texto. “O projeto ganhou força com o apoio da presidente Dilma (Rousseff), que assumiu uma liderança internacional sobre o assunto”, referindo-se aos discursos da chefe do Executivo promovendo a criação de um “Marco Civil internacional” e em defesa do princípio de neutralidade. “Isso me deixa otimista, mas sei que será uma luta muito dura no plenário, embora tenha certeza que dessa vez vai sair.”
O adiamento da votação é defendido pela oposição ao projeto que pede mais tempo para melhor discussão dos pontos críticos do texto (veja abaixo). Antonio Carlos Valente, presidente da Telefônica/Vivo Brasil e da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) havia dito na terça-feira, 22, ao Estado que era necessário mais tempo para o setor debater o projeto do Marco Civil da Internet. “Um dos pontos que houve concordância é que precisamos discutir mais esse tema”, afirmou.
Enquanto não for aprovado, a Câmara estará impedida de deliberar sobre outros assuntos. Como razões para o adiamento, está a utilização do trancamento da pauta para adiar a apreciação em plenário do piso salarial dos agentes de saúde, tema visto como ainda mais crítico por alguns parlamentares. A menos de uma semana, o presidente da Cãmara, Henrique Alves, havia agendado a votação do piso para o próximo dia 12. Outra possível razão é a melhor definição sobre como ficará o texto quanto à proposta do Executivo de exigir que provedores de serviços (aplicações) guardem registros de acesso no Brasil.
Pelo lado do governo, a medida é a saída para exigir que os serviços cumpram a legislação brasileira e, idealmente, proteja mais os dados brasileiros – embora dados sobre usuários brasileiros não deixariam de circular obrigatoriamente em servidores na Europa e nos Estados Unidos, fato apontado como a razão para os casos recentes de espionagem americana. Os contrários à proposta – que até a última sexta não tinha redaçã definida entre o relator e o governo, como apurou o Link – argumentam que a proposta afastaria aplicações do Brasil já que teriam que arcar com gastos de datacenters no País, deixando o brasileiro ainda mais alheio aos serviços internacionais de internet, e não seria garantia de mais segurança e privacidade aos usuários nacionais.
Os pontos críticos do Marco Civil (clique na imagem para ampliar)

Sob o registro de nº 2126/2011, o Marco Civil roda na Câmara desde 2011, dois anos depois da sua formulação colaborativa, por meio de audiências públicas. Entre 2009 e 2010, o Ministério da Justiça contou mais de 2 mil contribuições ao anteprojeto. Em 2012, instalou-se uma Comissão Especial para afinar o texto e, a partir de novembro daquele ano, se deu partida à série de tentativas frustadas de votação do PL.
Após as revelações de espionagem americana sobre o Brasil, o Executivo colocou a proposta sob regime de urgência na Câmara. Se aprovado, o Marco Civil ainda passará pelo Senado, que terá 45 dias para votá-lo. Molon se diz confiante também em relação à “outra Casa”, onde afirma ter ouvido “coisas positivas” de membros da oposição.
Ponto a ponto. A aprovação do artigo sobre neutralidade de rede é dada como certa. O consenso teria sido obtido após acertos do governo com a oposição. No entanto, há ainda pelo menos outros três assuntos sobre os quais não se têm tanta certeza se serão aprovados integralmente. São eles: a responsabilização de provedores de aplicações por conteúdo ilegal (artigo 15º), a guarda de registros de conexão e de serviço (artigos 11º, 12º e 13º) e a exigência de que cópias de todos esses registros sejam armazenados em centrais de dados (datacenters) no Brasil. Este último é uma proposta do Executivo feita após o escândalo das espionagens, mas ainda não é certo se estará no Marco Civil ou em projeto futuro que tratará especificamente de dados pessoais.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, defende a ideia. “As revelações sobre espionagem mostram que o armazenamento de dados nos EUA é um dos pilares dessa bisbilhotagem. É muito possível que isso continue, mas teremos os dados protegidos aqui e estará consagrado em nossa lei que é crime a quebra do sigilo” afirmou.
Para o coordenador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da USP, Dennys Antonialli, a medida pode “impedir o acesso dos brasileiros a produtos e serviços online”, já que nem todas as empresas terão condições de arcar com os custos de datacenters no País. “Ironicamente, as que teriam são aquelas sobre as quais recaem as denúncias de cooperação no episódio da espionagem”, diz. Antonialli considera ainda que a presença de dados aqui diminuiria a resistência das empresas de oferecer informações armazenadas em servidores no exterior, mas pondera que isso “pode ser endereçado de outras formas”, aplicando-se multas, por exemplo.
A oposição ao texto atual do Marco Civil considera mudar a redação dos demais artigos citados, acrescentando a obrigatoriedade de guarda de registros também a provedores de serviços, como Google e Twitter, e tornando-os responsáveis caso não retirem conteúdo ilegal veiculado em suas plataformas (como um vídeo), mesmo sem ordem judicial.
“O problema nesse caso é o tempo”, defende o advogado especialista em direito digital, Renato Ópice Blum. “A internet é dinâmica, um conteúdo ilegal se espalha rapidamente e quem pode tirá-lo com agilidade, diminuindo danos, é o provedor de conteúdo.”
Ricardo Izar (PSD-SP) lidera a oposição e diz que continuará trabalhando para “conquistar mais deputados” até o dia da votação. “Mas sei que será difícil.”
“Tem alguns pontos dos quais não vamos abrir mão, como a guarda de registros – que é um pedido da própria Polícia – e a neutralidade, que defendemos que deve ser aprovada gradativamente, já que vai exigir grande investimento das empresas de telecomunicações”, afirmou o deputado.

sábado, 26 de outubro de 2013

Black Blocs cativam e assustam manifestantes mundo afora

  

Integrantes do Black Block em manifestação em Washington D.C., EUA, em 2009 (crédito: Ben Schumin/Wikimedia Commons)
De ideologia anarquista, Black Blocs não têm líderes para tratar com autoridades
 

Carolina Montenegro De Genebra, para a BBC Brasil

Jovens mascarados e vestidos de preto andam em grupo no meio de protestos. Portam bandeiras negras ou símbolos anarquistas, quebram vidraças, entram em confronto com a polícia e embora não possuam líderança clara, têm nome definido: Black Blocs.
Essa poderia ser uma cena vista no Brasil, no Egito, na Turquia, na Grécia, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar do mundo.

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Para Francis Dupuis-Déri, professor de ciência política da UQAM (Université du Québec à Montréal) e autor do livro Les Black Blocs, a internet e a crescente insatisfação com os governos e a economia impulsionam o movimento.
"Os Black Blocs são fáceis de identificar, eles usam roupas específicas. É algo simples de ser reproduzido. Alguém pode vê-los na TV e imitá-los. Acredito que a internet também tenha um papel crucial", disse.
De acordo com Dupuis-Déri, que pesquisa os grupos há dez anos, a internet se tornou o seu principal canal de comunicação porque permite que os grupos interajam rapidamente e organizem protestos.
"Os Black Blocs não são uma organização permanente. Pelo caráter anarquista desses grupos, eles não têm um líder ou um representante para falar com o governo, por exemplo. Antes e depois de uma manifestação, eles não existem", explicou.
No Brasil, como em outras partes, os Black Blocs usam o Facebook para postar vídeos, fotos e organizar atos. Foi por meio do perfil Black Bloc Egypt que jovens egípcios convocaram ataques ao palácio presencial e o fechamento de pontes no Cairo.
Identificando-se apenas como Morro, um dos administradores da página egípcia contou à BBC Brasil que o grupo já se reunia há dois anos para protestar. "Primeiro, pensamos em formar um movimento hooligan, mas depois vimos vídeos e Black Blocs na Grécia e nos inspiramos", disse.
As táticas violentas dos Black Blocs no Egito foram duramente reprimidas pelas forças de segurança. Ao menos três membros do grupo foram mortos e dezenas estão presos. Atualmente, o grupo tem presença tímida nas manifestações.
Assim como no Brasil, onde Black Blocs têm depredado agências bancárias e concessionárias de carro, no Egito o grupo provocou a desconfiança do público e de outros manifestantes.
"A maior parte das pessoas no Egito tem medo deles, acha que são vândalos ou bandidos", afirmou a ativista egípcia Nihal Zaghloul.

Tática

Surgida nos anos 1980 na Alemanha no âmbito dos movimentos de contra-cultura e em defesa dos squats, a tática de protesto Black Bloc originalmente pode ou não usar a violência e tem alvos específicos, como agências bancárias.
Da década de 1990 em diante, a técnica Black Bloc se espalhou pelas cenas anarquistas, punk, anti-facistas e ecológicas. E ganhou força em mobilizações contra o neoliberalismo e o capitalismo, como na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1999, em Seattle, em 2001, em Roma, ou durante a reunião do G20 em Toronto, em 2010.
Segundo Dupuis-Déri, os Black Blocs são em geral indivíduos com ativa participação política no dia a dia.
Os Black Blocs que participaram dos protestos de 2012 no Quèbéc, Canadá, se disseram "estudantes, trabalhadores, desempregados e revoltados", no "Manifeste du Carré Noir", que fizeram circular na internet.
Recentemente, grupos Black Blocs atuaram em diferentes protestos contra os governos na Grécia, na Turquia, no Chile e no México.
"Os Black Blocs são sintomáticos de uma crescente insatisfação mundial com os governos e o sistema econômico. A violência em um movimento social sempre tende a assustar e afastar as pessoas, isso é senso comum. Mas há casos em que a violência chamou a atenção da mídia, levantou um debate público, denunciou repressões", explicou o cientista político.

Violência

Movimentos como os protestos de Seattle fizeram conhecida a face violenta desses grupos, mas a violência "não é necessariamente usada pelos Black Blocs", diz o professor de ciência política canadense.
"Os atos violentos são dirigidos a alvos determinados como as forças de segurança e os bancos. Casos de furtos ou roubos não são comuns".
O acadêmico lembra também que a violência é uma constante histórica em lutas de movimentos sociais e revoluções.
"Mesmo o movimento feminista pelo direito ao voto no início do século 20 viu momentos de violência", diz Dupuis-Déri.
Em 1911, centenas de mulheres saíram às ruas de Londres em protesto e quebraram janelas e vitrines no centro comercial da cidade. A então líder do movimento feminista Emmeline Pankhurst disse que "o argumento da vidraça quebrada era o argumento mais valorizado na política moderna".
Depois da prisão em massa das ativistas ela ainda alegou que "elas tinham tentado tudo – protestos e reuniões — mas nada funcionara".

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Fafá de Belém recebe mais de meio milhão para chorar no Círio



Via  Facebook  Thiago A. Britto

Fafá de Belém recebe mais de meio milhão para chorar no Círio e ficar naquela varandinha apertada com vista dificultosa. Credo, ainda teve que receber presente e celebridades. E a comida? Mesa de 8 metros.. Que tortura. Desculpa Fafá.

Extremamente perplexo com esses gastos desordenados... desnecessários. Governo do Estado gastou até o momento aproximadamente 2 bilhões em futilidades. Mas dinheiro pra Saúde, Segurança e Saneamento não chegou nem a 380 milhões. Educação? Menos de 60 milhões.

Pagar o Piso Nacional pra professor? Ah não... pra isso não temos dinheiro. Leia mais

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

LEILÃO DE LIBRA: EX-PRESIDENTE DA PETROBRAS DEFENDE SUSPENSÃO

Via blog Evidentemente Jadson Oliveira


Gabrielli: leilão tem o objetivo de arrecadar recursos no curto prazo, ao invés de viabilizar a expansão de atividades petrolíferas no Brasil (Foto: Internet)


Por Sindipetro/BA, no sítio do jornal Brasil de Fato, de 15/10/2013

A Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Sindipetro Bahia e o movimento sindical têm uma extensa agenda de mobilizações no país contra o leilão de Libra, marcado para ocorrer no próximo dia 21. Para o ex-presidente da Petrobras e atual secretário do Planejamento do Estado da Bahia, José Sérgio Gabrielli, o movimento sindical tem legitimidade para cobrar a suspensão da licitação.

Em entrevista ao programa Diálogo 12, Gabrielli explicou que em 2010 o governo brasileiro mudou a legislação de petróleo e com a descoberta do pré-sal uma nova realidade de exploração surgiu no mundo.

Os modelos de leilão das concessões anteriores a 2006 não satisfaziam mais à realidade, eles não eram mais adequados em razão do reduzido risco em se encontrar petróleo, como no caso do pré-sal. Foi aí que nasceu o Contrato de Partilha de Produção.

Segundo Gabrielli, hoje as empresas interessadas na exploração tem a obrigação de informar nos leilões quanto do lucro futuro destinará ao governo e os recursos do pré-sal, por força de lei aprovada no Congresso, formam um fundo social para investimento na saúde e educação.

Libra é o primeiro leilão em que se emprega essa nova lei e um dos seus objetivos seria obter no longo prazo a maior parcela possível da produção de óleo para melhorar a condição de vida da maioria da população. No entanto, diz o ex-presidente da Petrobras, ao fixar o limite de 15 bilhões de reais para a participação no leilão, o governo definiu uma regra que aproxima esse leilão da lei anterior, que foi mudada.

A opinião de Gabrielli coincide com a do movimento sindical, isto é, o leilão de Libra tem hoje o objetivo de arrecadar recursos no curto prazo, ao invés de viabilizar a expansão de atividades petrolíferas no Brasil. Por esse motivo, diz ele, “considero que o leilão poderia ser adiado”.

O secretário do Planejamento não vê urgência para a realização do leilão agora, porque a Petrobras tem hoje um volume de produção considerável e a atração das empresas internacionais, que seria uma motivação para o leilão, não se concretizou. Outro ponto destacado por ele é que a aproximação estratégica com as empresas chinesas, interessadas no leilão, pode acontecer com ou sem o leilão: mais uma vez, portanto, motivo para ser adiado.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

TRE-PA: João Salame, prefeito de Marabá, corre risco de perder mandato e ainda pagar multa de R$ 100 mil

 Via blog do Zé Dudu


                       

Por Ulisses Pompeu – de Marabá
 
O prefeito de Marabá, João Salame Neto (PPS) está encurralado e na eminência de perder o mandato, assim como aconteceu com os dois últimos gestores daquele município (Tião Miranda e Maurino Magalhães), que foram afastados por problemas eleitorais.
Nesta quinta-feira, 10, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PA), Salame foi julgado em um processo de 2010, na época em que era candidato à reeleição a deputado estadual. Pessoas ligadas ao então deputado foram flagradas com notas assinadas por Salame em um posto de combustível para entregar gasolina para correligionários.
O caso demorou, mas chegou ao Pleno do TRE, tendo como relatora a juíza Ezilda Pastana, que já atuou na comarca de Marabá na década de 1990. Ela votou favorável à condenação de Salame e sugeriu aos colegas do tribunal que ele tenha o atual mandato de prefeito cassado, perca os direitos políticos por oito anos e ainda pague uma multa no valor de R$ 100 mil.
Segundo apurou o blog, além da relatora, a revisora e outros dois membros do Tribunal Regional Eleitoral votaram a favor da condenação de João Salame. Seu consolo temporário é que um outro magistrado pediu vistas do processo e a votação foi suspensa por cerca de dez dias. Quando o caso voltar ao Plenário para votação, caso mais um juiz condene Salame, ele perderá o cargo e seu vice, Luiz Carlos Pies, assumirá em seu lugar, uma vez que Pies não tem nenhuma relação com o suposto crime eleitoral cometido na eleição de Salame para deputado estadual em 2010.
Sem querer fazer juízo de valor, a defesa do prefeito João Salame pisou na bola ao deixar de suscitar a suspeição da relatora do caso, visto ser publico e notório em Marabá que a mesma teve entrevero com a atual esposa de Salame na década de 1990, inclusive com uma briga em ambiente público.
Enquanto a votação do caso Salame no TRE-PA se desenrolava, muitas pessoas, a maioria ligada à política municipal, acompanhavam o desfecho do caso através de informantes que estavam no Tribunal e passavam mensagens o tempo todo. A partir de então, muitos políticos que ocupam cargo no governo já temem uma saída de Salame e a consequente assunção da turma do PT de Luiz Carlos Pies no poder, podendo mudar completamente o cenário administrativo do município. “Se o caso for parar no TSE, em Brasília, o PT é muito influente e pode evitar que Salame retorne ao cargo”, avalia um analista político em Marabá.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A noite em que Jean-Paul Sartre fumou um charuto com Che Guevara

                                                                  
 Via blog da Socialista Morena
 

(Simone de Beauvoir, Sartre e Che no Banco Nacional de Cuba. Foto: Alberto Korda)
 
“Guevara, diretor do Banco Nacional, ao oferecer-me um excelente café em seu escritório, me disse:
– Primeiro sou médico, depois soldado, e finalmente, como o senhor vê, banqueiro.”
Entre fevereiro e março de 1960, pouco mais de um ano após a revolução que derrubou Fulgencio Batista, o casal de filósofos franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir passou um mês em Cuba. O simpatizante do comunismo Sartre já havia rompido com o partido, ao qual nunca se filiou, e publicado O Fantasma de Stalin, espécie de manifesto de seu anti-stalinismo e ao mesmo tempo de seu anti-imperialismo. “Éramos muito difíceis de classificar. De esquerda, mas não comunistas”, escreveu Simone em A Força das Coisas, terceiro volume de sua autobiografia.
A estadia rendeu um livro, Furacão sobre o Açúcar, publicado no Brasil como Furacão sobre Cuba pela Editora do Autor no mesmo ano, enriquecido com depoimentos de Rubem Braga e Fernando Sabino sobre suas viagens à ilha. Uma jóia que merece reedição. Sartre estava, então, totalmente embevecido com os jovens revolucionários barbudos e cabeludos que haviam tomado o poder na ilha caribenha. Anos mais tarde, em 1971, ele e Simone romperiam com Fidel Castro diante da prisão do poeta Herberto Padilla.
No livro, o filósofo relata suas impressões de um Fidel em princípio desconfiado e mal-humorado, que vai relaxando pouco a pouco, mas que se mantém “um homem difícil de ser enquadrado” –como eles próprios. Sartre também conta como foi seu encontro com o guerrilheiro argentino à meia-noite, quando Guevara ocupava o cargo de presidente do Banco Nacional e ministro da Indústria. Quatro anos depois, Che deixaria Cuba para retornar à guerrilha, primeiro no Congo, sem sucesso, e em seguida na Bolívia, onde é capturado no dia 8 de outubro de 1967. No dia seguinte, é morto.
O que mais chama a atenção no livro é o encantamento de Sartre  com o vigor de Che e dos outros revolucionários, em plena flor da idade. Não deixa de ser melancólico, à luz de hoje, ver que aqueles jovens envelheceram e que o poder não se renovou em Cuba. Talvez seja o mesmo problema que começa a enfrentar o PT hoje… Mas, naquela agradável madrugada de 1960, os ventos que sopravam eram frescos e cheios de esperança. Por eles, Sartre deixaria de lado o cachimbo com o qual sempre é retratado para fumar um “puro” cubano com Che, “o ser humano mais completo de nossa época”.
Leia abaixo trechos do relato de Jean-Paul Sartre sobre a viagem e o encontro com Che Guevara que traduzi da versão em espanhol.
***
Por Jean-Paul Sartre
O maior escândalo da revolução cubana não é ter expropriado fazendas e terras, mas ter levado garotos ao poder. Havia anos que os avôs, os pais e os irmãos mais velhos esperavam que o ditador quisesse morrer: a ascensão se efetuaria por antiguidade.
Prevendo o dia distante em que o time seria substituído, os partidos corriam de quando em quando o risco de proclamar publicamente sua adesão ao parlamentarismo. Tudo ia bem até que um dia os mais novos tomaram o poder e proclamaram que permaneceriam ali.
Abaixo os velhos no poder! Não vi um só entre os dirigentes: recorrendo a ilha encontrei apenas, em postos de mando, de um a outro extremo da escala, meus filhos –se é possível dizer assim. Em todo caso, os filhos de meus contemporâneos. Os pais nem se percebem: os quinquagenários desta ilha são os mais discretos do mundo.
Loiro e magro, imberbe, com seus 29 anos, o ministro das Comunicações não é o caçula dessa revolução, mas tem a alegria séria dos adolescentes. Isso basta para que seus jovens colegas se divirtam fazendo brincadeiras sobre sua juventude, o que equivale a se surpreender com ela.
Armando Hart tem 27 anos; Guevara e Raul Castro acabaram de fazer 30. Quando não falam dos assuntos públicos são como os demais jovens quando se reúnem: provocam uns aos outros e se percebe em suas palavras que a velhice começa muito cedo –cedo demais, em minha opinião.
(…)
No que me diz respeito, me sentia mais velho entre eles do que em Paris e, apesar de sua extrema amabilidade, temia ao mesmo tempo importuná-los e trair meus contemporâneos.
Já que era necessária uma revolução, as circunstâncias designaram a juventude para fazê-la. Só a juventude tinha a cólera e a angústia suficientes para empreendê-la e a pureza necessária para concretizá-la.
(…)

(Che e Fidel em 1960)
Em Cuba, a idade preserva seus dirigentes: sua juventude lhes permite afrontar a realidade revolucionária em sua austera dureza. Se têm que aprender, se devem ajudar-se com conhecimentos técnicos, os responsáveis não se dirigem a ninguém: dão um jeito. Ninguém saberá em que setor –geralmente é na vida privada– terão recolhido algumas migalhas de tempo abandonadas; ninguém saberá que aumentam indefinidamente a intensidade de seu esforço para reduzir indefinidamente a duração da aprendizagem.
Mas podemos adivinhar o que não nos dizem. Para citar somente um caso, o comandante Ernesto Guevara é considerado homem de grande cultura e isso se nota; não se necessita muito tempo para compreender que detrás de cada frase sua há uma reserva de ouro. Mas um abismo separa essa ampla cultura, esses conhecimentos gerais de um médico jovem que, por inclinação, por paixão, se dedicou aos estudos das ciências sociais, dos conhecimentos precisos e técnicos indispensáveis a um banqueiro estatal.
Nunca fala sobre isso, a não ser para pilheriar sobre suas mudanças de profissão; mas a intensidade de seu esforço se sente: se trai por todas as partes, menos pelo rosto tranquilo e relaxado.
Para começo de conversa, a hora de nosso encontro era insólita: meia-noite. E no entanto eu tive sorte: os jornalistas e visitantes estrangeiros são recebidos amável e longamente, mas às duas ou três da manhã.
Para chegar a seu gabinete tivemos que cruzar um vasto salão que só tinha móveis encostados nas paredes: algumas cadeiras e bancos. Em um canto havia uma mesinha com um telefone. Em todos os assentos havia soldados derrotados pelo cansaço; uns montavam guarda e outros dormiam, incomodados até no sono pela desconfortável posição.
Detrás da mesa com o telefone, vi um jovem oficial rebelde, praticamente dobrado em quatro, com os longos cabelos negros caídos sobre os ombros, seu boné cobrindo o nariz e os olhos fechados. Roncava suavemente e seus lábios seguravam fortemente a ponta de um charuto apenas começado: o último ato do adormecido havia sido acendê-lo, para se defender das tentações do sono.
Cruzando aquele salão tive, apesar de estar brilhantemente iluminado, a sensação de que havia subido num trem antes do amanhecer e penetrado num compartimento adormecido. Reconhecia os olhos avermelhados que se abriam, os corpos dobrados ou retorcidos, extenuados, o incômodo noturno. Eu ainda não estava com sono, mas através daqueles homens sentia a densidade das noites mal dormidas.
Uma porta se abriu e Simone de Beauvoir e eu entramos: a impressão desapareceu. Um oficial rebelde, coberto com uma boina, me esperava. Tinha barba e os cabelos longos como os soldados da ante-sala, mas seu rosto liso e disposto me pareceu matinal. Era Guevara.
Saíra do banho? Por que não? O certo é que começara a trabalhar cedo na véspera, almoçado e comido em seu escritório, recebido visitantes e esperava receber outros depois de mim. Escutei que a porta se fechava às minhas costas e me esqueci do cansaço e da noção da hora. Naquele escritório não entra a noite; para aqueles homens em plena vigília, ao melhor deles, dormir não parece uma necessidade natural, mas uma rotina de que praticamente se livraram.
Não sei quando descansam Guevara e seus companheiros. Suponho que depende, o rendimento decide; se cai, param. Mas de todas as maneiras, se buscam em suas vidas horas vagas, é normal que as arranquem aos latifúndios do sono.
Imaginem um trabalho contínuo, que compreende três turnos de oito horas, mas que faz 14 meses que é realizado por uma só equipe: eis o ideal que quase alcançaram aqueles jovens. Em 1960, em Cuba, as noites são brancas: ainda se distinguem dos dias; mas é só por cortesia e consideração ao visitante estrangeiro.
Mas apesar de suas extremadas considerações, não podiam fazer outra coisa que reduzir ao mínimo possível as horas imbecis que eu dedicava ao sono: ia dormir muito tarde e me acordavam muito cedo. Eu não o sentia: pelo contrário, com frequência me chateava, por tarde que fosse, ir dormir quando eles velavam, ainda que tivessem acordado cedo; por saber que me haviam precedido em várias horas. É que era impossível viver naquela ilha sem participar da tensão generalizada.
Aqueles jovens rendem à energia, tão amada por Stendhal, um culto discreto. Mas não ache que falam dela, que a convertem em teoria. Vivem a energia, a praticam, talvez a inventem; ela se comprova em seus efeitos, mas não em palavras. Sua energia se manifesta.
Para manter dia e noite a alegria limpa e clara da manhã em seu gabinete e em seu rosto, Guevara necessita de energia. Todos a necessitam para trabalhar, mas mais ainda para apagar, à medida que se apresentam, as pegadas do trabalho e as marcas do sono. Não se recusam a falar de seu nervosismo, mas não o deixam mostrar-se: levam o controle de si mesmo até parecer, ou melhor, até sentir-se tranquilos. As coisas vão tão longe que empregam essa energia, convertida em sua segunda natureza, para tiranizar seu temperamento.
Fazem o necessário, todo o necessário, mais que o necessário; até o supérfluo. Já disse que desprezavam o sono; é necessário; por outro lado, não suportariam –e eu o concebo também– que se ocorresse uma agressão fossem surpreendidos na cama. Quem não os compreenderia? Quem não compreenderia que a angústia e a cólera diante dos atentados e sabotagens os mantém despertos mais de uma noite?
Mas eles vão além: quase chegam a repetir a frase de Pascal: “é preciso não dormir”. Se diria que o sono os abandonou, que também emigrou a Miami. Eu só vejo neles a necessidade de ficarem despertos.
(…)

(Fidel, Simone e Sartre)
De todos esses noctâmbulos, Castro é o mais desperto; de todos esses jejuadores, é Castro quem pode comer mais e jejuar mais tempo.
Falarei de sua loucura: a sorte de Cuba. Mas, de todas as maneiras, os rebeldes são unânimes nisso: não podem pedir esforços ao povo se não são capazes de exercer sobre suas próprias necessidades uma verdadeira ditadura. Trabalhando 24 horas seguidas e mais; acumulando noites insones; mostrando-se capazes de esquecer a fome, fazem retroceder para os chefes os limites do possível. Semelhante triunfo provisional: essa imagem, presente em todas as partes, da revolução atuando sempre, alenta aos trabalhadores da ilha a liquidar definitivamente o fatalismo e a conquistar-se todos os dias, sobre o velho inferno irrisório da impossibilidade.
(…)
Levando as coisas ao limite, se poderia dizer que o rebelde obriga o agressor a escolher entre duas derrotas: ou o reembarque das tropas ou o genocídio. Qual é a pior? Ofereço à escolha. Sob o ponto de vista rebelde, dou como exemplo essas palavras de Castro:
– O bloqueio é a arma menos nobre: se aproveita da miséria de um povo para submetê-lo pela fome. Não aceitaremos isso –prosseguiu. Nos negamos a morrer nessa ilha sem levantar um dedo para nos defendermos ou para devolver os ataques…
– Que fariam vocês? –perguntei.
Sorriu tranquilamente:
– Se querem começar pelo bloqueio –respondeu–, não podemos impedi-los. Mas podemos fazer que o abandonem pela verdadeira guerra, pela agressão a mão armada –e o faremos, garanto. Mais vale morrer ferido na guerra do que de fome em casa.