terça-feira, 31 de janeiro de 2012

MOBILIZAÇÃO E MÍDIA: COMO AVANÇAR SEM CORRER RISCOS?


 Artigo de Jadson Oliveira

De Salvador (Bahia) – Conta-se que numa discussão entre Hugo Chávez e Lula (foto) – o presidente da Venezuela bem impetuoso e o então presidente do Brasil bem conciliador -, Chávez teria dito: “Teu problema, Lula, é que o império norte-americano nunca vai tentar te derrubar”. A historinha pode não ser verdadeira, mas não deixa de ser significativa.



A verdade é que a política liderada pelo governo de Lula e no essencial continuada pelo governo de Dilma Rousseff, no que pese ganhos expressivos do ponto de vista progressista – em especial a melhoria de renda de parcelas pobres da população e avanços na integração da América Latina -, não toca nem de leve nos interesses das grandes corporações empresariais nacionais e estrangeiras, especialmente as financeiras, ou seja, não toca (nem uma tênue ameaça) nas estruturas de poder: os bancos continuam mandando e lucrando cada vez mais; o latifúndio, travestido no glamoroso agronegócio exportador, também; as mineradoras continuam arrancando as riquezas do subsolo e mandando pra fora.


(Por falar em estruturas de poder, os militares continuam firmes, fortes e intocáveis, é bastante observar os passos de cágado no processo de apuração dos crimes de lesa humanidade da ditadura, mesmo com a recente aprovação da Comissão Nacional da Verdade, mas isso seria tema de outro artigo).


Quase metade do Orçamento da União vai para os bolsos dos banqueiros/especuladores: esta é que é a corrupção fundamental


Pra resumir: o poder econômico predatório manipula a política e os políticos, na rabeira vem a desgraceira: os ricos continuam ganhando muito mais do que os pobres e as injustiças sociais e desigualdades perduram, um quadro que dói naqueles que têm sensibilidade para sentir. Para evitar muito falatório, basta lembrar o que chamei aqui numa postagem recente de “corrupção fundamental”: quase a metade (47,19%) do Orçamento da União será destinada, neste ano, ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. Isto é, de quase R$ 2,3 trilhões, pouco mais de R$ 1 trilhão desembarcarão nas contas dos banqueiros, os verdadeiros piratas da globalização.


Mas tais coisas são escondidas do povo. A velha mídia – a verdadeira direita institucionalizada, sócia das corporações empresariais, também encastelada nas estruturas de poder – censura tais informações.


Era aí que, após muito bla-bla-bla, eu queria chegar: através de que meios os trabalhadores e a juventude vão se informar, vão formar suas opiniões? Os jornalões, as revistas semanais (exceção para a Carta Capital), e principalmente as tevês e as rádios, que se locupletam explorando escandalosamente as concessões públicas, estão ocupados martelando as roubalheiras dos políticos (“Tudo eu!? Tudo eu!?”, diria um deles), as últimas estrepolias das celebridades, as últimas façanhas sexuais do Big Brother da Globo, as últimas sensações do mundo do crime, as intrigas amorosas das novelas, os filmes e seriados emburrecedores de Hollywood e atentados mil contra os valores culturais nacionais, contra as mulheres, contra os negros, contra os pobres, contra os homossexuais.


E junto, claro, a criminalização dos movimentos sociais e o doutrinamento político-ideológico de caráter neoliberal (ainda, apesar da anunciada decadência), reforçado pela brutal carga publicitária, que manda a gente comprar, comprar, comprar sempre para ser feliz, manda as crianças comerem porcarias, manda os jovens moldarem os belos corpos delgados (“vamos todos morrer jovens e saudáveis”, como ironizou nosso Frei Beto), mesmo bebendo muita cerveja (desculpe, com moderação, ah sim!)


Que imprensa vai cobrir as barbaridades da Polícia Militar do governador tucano de São Paulo?

Quem faz o contra-ponto a esse tsunami fabricado no dia-a-dia da velha mídia? Quem vai cobrir as barbaridades da Polícia Militar do governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin (foto), contra os estudantes da USP, contra os viciados do crack, contra as famílias do Pinheirinho? Vamos ver: uma ou outra matéria (um ou outro artigo) infiltrada na mesma velha mídia, uma ou outra revista mensal, como a Caros Amigos, os blogueiros progressistas (cuja influência vem dando mostra de crescimento), parte da imprensa sindical, parte da programação das tevês e rádios públicas/estatais. E o que mais? As manifestações dos movimentos sociais (o movimento dos “indignados” parece ainda bem fraco no Brasil), e as ações dos partidos de esquerda e de centro-esquerda e também de alguns parlamentares e lideranças mais comprometidos com a causa popular.


Convenhamos: é pouca munição diante dos poderosos fazedores de cabeças e mentes da direita. Cadê um jornal diário, a exemplo do Página/12 argentino, ou do La Jornada mexicano, ou do estatal Cambio boliviano, ou mesmo, para ficar na história brasileira, do Última Hora de Samuel Wainer, estrangulado pela ditadura? Cadê uma tevê pública/estatal menos tímida que a nossa TV Brasil, como há em países como Argentina, Venezuela e Bolívia? Cadê, muito especialmente, as tevês e rádios comunitárias, as quais, longe de serem apoiadas pelo governo Lula/Dilma, foram e são perseguidas pelo governo Lula/Dilma?


(Só para ilustrar: no golpe de Estado de 11 de abril de 2002, Hugo Chávez somente logrou retomar a presidência dois dias depois, nos braços do povo venezuelano/bolivariano, porque a resistência e a mobilização popular foram detonadas a partir da atuação das rádios e tevês comunitárias. Isto é História, com a qual as esquerdas e o movimento popular precisam aprender. Lá o governo mantém um programa de apoio aos meios comunitários. Já escrevi sobre isso aqui neste meu blog: quem quiser ler, é só clicar).


E cadê a regulação da mídia, sobretudo o controle das concessões públicas, assunto em face do qual os governantes brasileiros amarelam, vergonhosamente, chantageados pela meia dúzia das famílias donas dos monopólios da comunicação no Brasil com o epíteto mentiroso de censura à imprensa. Vamos ver em que vai dar o seminário sobre o assunto feito pela direção do PT, fruto de moção aprovada no último congresso do partido.


Por que uma liderança popular da estatura do Lula convive com a perseguição às tevês e rádios comunitárias?

Recentemente Luíza Erundina (foto), deputada federal do PSB-SP que tem sido uma voz destacada nesta área no Congresso Nacional (nosso baiano Emiliano José, deputado federal do PT, também tem travado o bom combate sobre o tema – ele é do ramo, é jornalista), comentou que considera prioritária a luta pela democratização dos meios de comunicação, porque tal democratização facilitaria a luta por outras reformas tão necessárias para botar o Estado brasileiro nos trilhos de uma democracia popular.


Mas Erundina, como se diz, está careca de reconhecer que essa virada de jogo só será possível com a mobilização dos trabalhadores e da juventude: no jargão da esquerda classificada como radical, só com o povo nas ruas. Sem isso, não há salvação, sem isso, a penitência rompeu os 500 anos e vai seguir, mesmo com algumas melhorias pontuais e simbólicas.


E vão aí as perguntas cruciais: será que uma liderança popular do porte do nosso Lula não percebe essa verdade tão essencial? Por que uma liderança como Lula convive com a perseguição às tevês e rádios comunitárias? Por que uma liderança como Lula convive com a desmobilização popular e o povo só é chamado na hora de votar? Será que, na sua reconhecida sagacidade política, ele sabe que as esquerdas e as forças populares são ainda débeis e ineficientes para enfrentar os capitalistas da sexta potência econômica do mundo? Então, ao invés do povo nas ruas – uma alternativa talvez temerária -, o caminho é mesmo o da conciliação, uma opção consciente e inteligente para garantir a famigerada governabilidade? Avançar sem correr riscos, sem confrontar os ricos, sem desagradar o império?

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