segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Entrevista com Jadson Oliveira, Jornalista/Blogueiro brasileiro: "Chávez sempre diz, na sua oratória arrebatada, que faz o povo venezuelano delirar, que “Chávez não sou eu, é um povo”

Um jornalista blogueiro brasileiro na Venezuela
Entrevista com Jadson Oliveira, jornalista baiano e blogueiro viajante. Desde que se aposentou, em 2007, já passou temporadas, pela ordem, em Cuba, Venezuela, Paraguai, Bolívia, Trinidad e Tobago (Caribe) e Argentina. Agora novamente Venezuela e em novembro estará em Cuba outra vez. No Brasil, passou uns tempos em Manaus, Belém/Ananindeua (quando do Fórum Social Mundial, em 2009), Curitiba e São Paulo. Sempre postando – desde que chegou pela primeira vez em Caracas em março/2008 - no blog Evidentemente, nome criado pela amiga e colega Joana D’Arck, que não só inventou o nome, mas o próprio blog.
Ananindeuadebates - Você está na Venezuela cobrindo a vida e a eleição que aconteceu no último dia 7. Está aí desde quando?
Jadson – Cheguei no início de junho, dei um pulo rápido em nossa “Salvador de Bahia”, como dizem aqui, e retornei a tempo de pegar o início oficial da campanha eleitoral em primeiro de julho.
Creio que cubro pouquíssimo (para o blog) o que o companheiro está chamando vida. Tentei, na verdade, como sempre faço por onde vivo uns meses, acompanhar a política, os movimentos sociais, as manifestações de rua, a esquerda ou as esquerdas. Aqui, no caso, vim de olho na reeleição do presidente Hugo Chávez, hoje vanguarda da luta anti-imperialista na América Latina e, portanto, homem-chave do que se pode considerar o movimento revolucionário atual.
Tento acompanhar, gosto de frisar o “tentar”, porque com os poucos recursos de um jornalista aposentado, independente, relativamente pobre, sem qualquer vínculo e subsídio de qualquer organização, faço o possível, sabendo que é muito pouco. Não tenho dinheiro para muitos deslocamentos, então fiquei somente aqui em Caracas. Poderia até ter acompanhado algumas caravanas pelo interior, aproveitando a logística do candidato, mas não deu, também é uma correria dos diabos esses esquemas presidenciais, a segurança, ainda mais com Chávez, cuja aproximação e presença deixam o povo louco.
De qualquer forma, este meu “trabalho” é meu jeito de tentar ser feliz e estar próximo dos velhos sonhos de velho comunista.
Na "Esquina Caliente" um ponto de encontro de chavistas


AD - Como foi o clima aí na Venezuela na campanha, no dia da eleição?
Jadson – Acho que deu pra passar esse clima na cobertura do blog. Vou tentar resumir em alguns toques: euforia dos chavistas nas ruas da cidade, aquela imensa “maré vermelha” em repetidas ocasiões; tensão diante de ameaças de atos de violência e desestabilização; a classe média armazenando comida em casa, porque ia acontecer “alguma coisa”; o chamado terrorismo midiático a todo vapor diante da quase certeza da vitória do presidente. A mídia privada, em torno de 80% anti-chavista, desesperada. Foi realmente uma experiência marcante pra mim, espero ter passado pelo menos boa parte da realidade para meus leitores.
AD - O chavismo virou uma ideologia? Podemos afirmar que é um socialismo bolivariano?
Jadson – Não sei, Rui, isso de conceitos assim só com os estudiosos, cientistas políticos. Chávez sempre diz, na sua oratória arrebatada, que faz o povo venezuelano delirar, que “Chávez não sou eu, é um povo”. Pra mim, na prática, chavismo, bolivarianismo, revolução bolivariana, socialismo bolivariano, socialismo do século 21, são tudo a mesma coisa, ou representa o mesmo atualmente na Venezuela: é a construção paulatina de um processo de mudança revolucionária, com participação popular, como diz Chávez: “uma revolução pacífica e democrática, mas não desarmada” (ele, como bom comandante, não esquece o trágico exemplo do Chile de Salvador Allende).
Mas essas coisas começam e ninguém sabe como vai realmente andar e acabar (não acaba, né?, as coisas da vida nunca acabam, aquela besteira de “o sonho acabou” é apenas isso, uma besteira, uma “tontería”, como dizem no espanhol).
AD - Aqui no Brasil tivemos eleição para prefeito e vereadores. Nenhum debate ideológico, nem linha política que aponte mudanças de rumos. Como vc vê as eleições no Brasil em relação à Venezuela?
Jadson – Rui, por coincidência, postei nesta segunda-feira, dia 15, uma matéria no meu blog que creio responde bem sua pergunta. Dei o título: “Socialismo: esse ilustre ausente na política brasileira”.
Companheiro, do ponto de vista revolucionário, nós estamos fudidos aí no nosso Brasilzão, atrasadíssimos (claro que isso vai mudar um dia, espero). Se vc passa uns meses, como passei, na Argentina, na Bolívia e principalmente na Venezuela, assuntando as coisas da política, vc sente isso facilmente. Como se pode fazer uma política de esquerda, supostamente pela revolução, sem mobilização popular? O povo aí, quer dizer a maioria, vota em Lula e nos candidatos de Lula, do PT, outros da esquerda (ou das esquerdas) – o que já é um pequeno consolo -, mas é só. Não há qualquer debate ideológico, político, econômico, cultural, uma calamidade, meu amigo.
Mobilização popular parece palavrão no dia-a-dia da política brasileira. Coisas como “imperialismo”, “luta de classes”, “hegemonia”, “revolução” e “socialismo” são tratadas aí na base da galhofa, motivos de piada de gente “bem pensante”.
Se algum “bem pensante” desse daí ler isso vai gozar com ar superior, mas, de fato, o que há por aqui é uma revolução em curso, daí a confrontação, a mídia alardeia que Chávez é um louco, um tirano, um ditador e muita gente “bem pensante” acredita, como se isso fosse uma opinião nascida por geração espontânea na sua própria cabeça.
O máximo que conseguimos aí foi a política de inclusão social de Lula e sua política de integração soberana na América Latina. Não digo que seja pouco, depois de 500 anos de desgraceira, foi muito. Mas nós queremos mais, temos que superar essa coisa de capitalismo, de democracia só pra quem tem dinheiro, de ditadura dos monopólios da mídia, de hegemonia do consumismo, de exaltação da riqueza individual, de violência contra os mais pobres. Queremos reforma agrária, direitos humanos, humanismo, solidariedade, fraternidade, amizade, irmandade, socialismo.   
AD - Seus artigos publicados na nossa Rede (Paradebates, Ananindeuadebates, twitter, facebook) têm colocado o clima, e também muito da campanha chavista. Fale um pouco sobre a campanha da oposição. Quantos candidatos concorreram aí na Venezuela?
AD - Jadson – Além da sua Rede e do meu blog, matérias minhas são reproduzidas no Fazendo Media: a média que a mídia faz, blog do Rio de Janeiro, e no Pilha Pura, blog de colegas jornalistas baianos. No meu blog postei algumas matérias da campanha oposicionista, especialmente cobrindo a abertura e o encerramento da campanha de Henrique Capriles em Caracas, com muitas fotos e transcrição de boa parte dos dois discursos.
Seus discursos, aliás, são bem peculiares, interessantes, por isso as transcrições. Certamente por orientação dos marqueteiros (dizem que, inclusive, norte-americanos e brasileiros, não sei se é verdade), usava frases banais (“te quero, Venezuela, há um caminho, construir uma só Venezuela, o caminho do progresso, o ônibus do progresso, o caminho do futuro, vamos acabar a insegurança, vamos industrializar o país, vamos deixar de dar de presente o petróleo à Cuba, etc, etc), e escondia seus compromissos com o programa de governo neoliberal.
Segundo os dados da campanha, fez visitas e rápidos comícios/caravanas em cerca de 300 lugares, incluindo cidades pequenas e povoados, uma verdadeira maratona. Conseguia reunir grandes multidões, não tão grandes como as de Chávez (que deve ter feito em torno de 30 caravanas/concentrações pelo país), mas realmente grandes mobilizações (os chavistas diziam que eles pagavam gente para fazer número, publiquei até uma denúncia sobre isso). No final, conseguiu perder com apenas 11% de diferença, recebeu 6,5 milhões de votos (Chávez, 8,2 milhões). Creio que se saiu bem, embora estou certo de que não são votos de Capriles, são votos anti-chavistas. O chavismo é mais forte, mas o anti-chavismo tem uma força razoável.
Houve mais quatro candidatos – eram mais seis, mas na cédula entraram somente mais quatro, acho que dois desistiram ou foram recusados por problema de documentação. São aqueles candidatos “invisíveis” que a gente não consegue nem decorar os nomes. Tiveram votação irrisória: vi nos resultados o melhor colocado com 0,5% dos votos e o pior com 0,2%. Eram dois homens e duas mulheres.
Ia até escrever uma notinha curiosa sobre a que se chama Maria Bolívar, mas desisti. Gravei o nome porque li num jornal e achei engraçado: já faltando poucos dias para a votação, ela falava da sua certeza de vitória. E antecipava que ia convidar Chávez e Capriles para compor seu ministério.
AD - Quando volta ao Brasil para tomarmos uns uísques pelos botecos de Salvador? (rss!)
Jadson – Como disse nosso grande Chico Buarque, o bom da viagem é que a gente volta. E digo eu: melhor ainda na volta é encontrar os amigos/amigas nos botecos da vida. É a parte mais prazerosa, companheiro. Mas não sei exatamente. Estarei - se o imponderável não atrapalhar - no segundo turno aí em São Paulo, vendo a vitória petista de Haddad, candidato do Lula (sabido esse nosso Lula, aprendeu a ganhar eleição depois de perder três seguidas). E, claro, gozando a derrota do Serra Malafaia.
Depois passo novembro na velha e querida Cuba, tomando ron com “uns amigos que lá deixei”. Depois não sei, mas “qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” e tomar umas e outras, que “ninguém agüenta tanta sobriedade”, como diz uma cara amiga.
Por enquanto, ainda tenho uma semana por aqui tomando “ginebra”, que é mais barato. Vou agora mesmo tomar uma num barzinho aqui de Montalbán, que já “trabalhei” demais hoje.
No(s) vemo(s), como dizem os cubanos (e também os venezuelanos), assim engolindo o “s”.

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