Um
jornalista blogueiro brasileiro na Venezuela
Entrevista
com Jadson Oliveira, jornalista baiano e blogueiro viajante. Desde que se
aposentou, em 2007, já passou temporadas, pela ordem, em Cuba, Venezuela, Paraguai,
Bolívia, Trinidad e Tobago (Caribe) e Argentina. Agora novamente Venezuela e em
novembro estará em Cuba outra vez. No Brasil, passou uns tempos em Manaus,
Belém/Ananindeua (quando do Fórum Social Mundial, em 2009), Curitiba e São
Paulo. Sempre postando – desde que chegou pela primeira vez em Caracas em
março/2008 - no blog Evidentemente, nome criado pela amiga e colega Joana
D’Arck, que não só inventou o nome, mas o próprio blog.
Ananindeuadebates - Você está na Venezuela cobrindo a vida
e a eleição que aconteceu no último dia 7. Está aí desde quando?
Jadson
– Cheguei no início de junho, dei um pulo rápido em nossa “Salvador de Bahia”,
como dizem aqui, e retornei a tempo de pegar o início oficial da campanha
eleitoral em primeiro de julho.
Creio
que cubro pouquíssimo (para o blog) o que o companheiro está chamando vida.
Tentei, na verdade, como sempre faço por onde vivo uns meses, acompanhar a
política, os movimentos sociais, as manifestações de rua, a esquerda ou as
esquerdas. Aqui, no caso, vim de olho na reeleição do presidente Hugo Chávez,
hoje vanguarda da luta anti-imperialista na América Latina e, portanto,
homem-chave do que se pode considerar o movimento revolucionário atual.
Tento
acompanhar, gosto de frisar o “tentar”, porque com os poucos recursos de um jornalista
aposentado, independente, relativamente pobre, sem qualquer vínculo e subsídio
de qualquer organização, faço o possível, sabendo que é muito pouco. Não tenho
dinheiro para muitos deslocamentos, então fiquei somente aqui em Caracas.
Poderia até ter acompanhado algumas caravanas pelo interior, aproveitando a
logística do candidato, mas não deu, também é uma correria dos diabos esses
esquemas presidenciais, a segurança, ainda mais com Chávez, cuja aproximação e
presença deixam o povo louco.
De
qualquer forma, este meu “trabalho” é meu jeito de tentar ser feliz e estar
próximo dos velhos sonhos de velho comunista.
Na "Esquina Caliente" um ponto de encontro de chavistas |
AD - Como foi o clima aí na Venezuela na
campanha, no dia da eleição?
Jadson
– Acho que deu pra passar esse clima na cobertura do blog. Vou tentar resumir
em alguns toques: euforia dos chavistas nas ruas da cidade, aquela imensa “maré
vermelha” em repetidas ocasiões; tensão diante de ameaças de atos de violência
e desestabilização; a classe média armazenando comida em casa, porque ia
acontecer “alguma coisa”; o chamado terrorismo midiático a todo vapor diante da
quase certeza da vitória do presidente. A mídia privada, em torno de 80%
anti-chavista, desesperada. Foi realmente uma experiência marcante pra mim,
espero ter passado pelo menos boa parte da realidade para meus leitores.
AD - O chavismo virou uma ideologia? Podemos
afirmar que é um socialismo bolivariano?
Jadson
– Não sei, Rui, isso de conceitos assim só com os estudiosos, cientistas
políticos. Chávez sempre diz, na sua oratória arrebatada, que faz o povo
venezuelano delirar, que “Chávez não sou eu, é um povo”. Pra mim, na prática,
chavismo, bolivarianismo, revolução bolivariana, socialismo bolivariano,
socialismo do século 21, são tudo a mesma coisa, ou representa o mesmo
atualmente na Venezuela: é a construção paulatina de um processo de mudança
revolucionária, com participação popular, como diz Chávez: “uma revolução
pacífica e democrática, mas não desarmada” (ele, como bom comandante, não
esquece o trágico exemplo do Chile de Salvador Allende).
Mas
essas coisas começam e ninguém sabe como vai realmente andar e acabar (não
acaba, né?, as coisas da vida nunca acabam, aquela besteira de “o sonho acabou”
é apenas isso, uma besteira, uma “tontería”, como dizem no espanhol).
AD - Aqui no Brasil tivemos eleição para
prefeito e vereadores. Nenhum debate ideológico, nem linha política que aponte
mudanças de rumos. Como vc vê as eleições no Brasil em relação à Venezuela?
Jadson
– Rui, por coincidência, postei nesta segunda-feira, dia 15, uma matéria no meu
blog que creio responde bem sua pergunta. Dei o título: “Socialismo: esse
ilustre ausente na política brasileira”.
Companheiro,
do ponto de vista revolucionário, nós estamos fudidos aí no nosso Brasilzão,
atrasadíssimos (claro que isso vai mudar um dia, espero). Se vc passa uns
meses, como passei, na Argentina, na Bolívia e principalmente na Venezuela,
assuntando as coisas da política, vc sente isso facilmente. Como se pode fazer
uma política de esquerda, supostamente pela revolução, sem mobilização popular?
O povo aí, quer dizer a maioria, vota em Lula e nos candidatos de Lula, do PT,
outros da esquerda (ou das esquerdas) – o que já é um pequeno consolo -, mas é
só. Não há qualquer debate ideológico, político, econômico, cultural, uma
calamidade, meu amigo.
Mobilização
popular parece palavrão no dia-a-dia da política brasileira. Coisas como
“imperialismo”, “luta de classes”, “hegemonia”, “revolução” e “socialismo” são
tratadas aí na base da galhofa, motivos de piada de gente “bem pensante”.
Se
algum “bem pensante” desse daí ler isso vai gozar com ar superior, mas, de
fato, o que há por aqui é uma revolução em curso, daí a confrontação, a mídia
alardeia que Chávez é um louco, um tirano, um ditador e muita gente “bem
pensante” acredita, como se isso fosse uma opinião nascida por geração
espontânea na sua própria cabeça.
O
máximo que conseguimos aí foi a política de inclusão social de Lula e sua
política de integração soberana na América Latina. Não digo que seja pouco,
depois de 500 anos de desgraceira, foi muito. Mas nós queremos mais, temos que
superar essa coisa de capitalismo, de democracia só pra quem tem dinheiro, de
ditadura dos monopólios da mídia, de hegemonia do consumismo, de exaltação da
riqueza individual, de violência contra os mais pobres. Queremos reforma
agrária, direitos humanos, humanismo, solidariedade, fraternidade, amizade,
irmandade, socialismo.
AD - Seus artigos publicados na nossa
Rede (Paradebates, Ananindeuadebates, twitter, facebook) têm colocado o clima,
e também muito da campanha chavista. Fale um pouco sobre a campanha da
oposição. Quantos candidatos concorreram aí na Venezuela?
AD - Jadson
– Além da sua Rede e do meu blog, matérias minhas são reproduzidas no Fazendo
Media: a média que a mídia faz, blog do Rio de Janeiro, e no Pilha Pura, blog
de colegas jornalistas baianos. No meu blog postei algumas matérias da campanha
oposicionista, especialmente cobrindo a abertura e o encerramento da campanha
de Henrique Capriles em Caracas, com muitas fotos e transcrição de boa parte
dos dois discursos.
Seus
discursos, aliás, são bem peculiares, interessantes, por isso as transcrições.
Certamente por orientação dos marqueteiros (dizem que, inclusive,
norte-americanos e brasileiros, não sei se é verdade), usava frases banais (“te
quero, Venezuela, há um caminho, construir uma só Venezuela, o caminho do
progresso, o ônibus do progresso, o caminho do futuro, vamos acabar a
insegurança, vamos industrializar o país, vamos deixar de dar de presente o
petróleo à Cuba, etc, etc), e escondia seus compromissos com o programa de
governo neoliberal.
Segundo
os dados da campanha, fez visitas e rápidos comícios/caravanas em cerca de 300
lugares, incluindo cidades pequenas e povoados, uma verdadeira maratona.
Conseguia reunir grandes multidões, não tão grandes como as de Chávez (que deve
ter feito em torno de 30 caravanas/concentrações pelo país), mas realmente
grandes mobilizações (os chavistas diziam que eles pagavam gente para fazer
número, publiquei até uma denúncia sobre isso). No final, conseguiu perder com
apenas 11% de diferença, recebeu 6,5 milhões de votos (Chávez, 8,2 milhões).
Creio que se saiu bem, embora estou certo de que não são votos de Capriles, são
votos anti-chavistas. O chavismo é mais forte, mas o anti-chavismo tem uma
força razoável.
Houve
mais quatro candidatos – eram mais seis, mas na cédula entraram somente mais
quatro, acho que dois desistiram ou foram recusados por problema de
documentação. São aqueles candidatos “invisíveis” que a gente não consegue nem
decorar os nomes. Tiveram votação irrisória: vi nos resultados o melhor
colocado com 0,5% dos votos e o pior com 0,2%. Eram dois homens e duas
mulheres.
Ia
até escrever uma notinha curiosa sobre a que se chama Maria Bolívar, mas
desisti. Gravei o nome porque li num jornal e achei engraçado: já faltando
poucos dias para a votação, ela falava da sua certeza de vitória. E antecipava
que ia convidar Chávez e Capriles para compor seu ministério.
AD - Quando volta ao Brasil para tomarmos
uns uísques pelos botecos de Salvador? (rss!)
Jadson
– Como disse nosso grande Chico Buarque, o bom da viagem é que a gente volta. E
digo eu: melhor ainda na volta é encontrar os amigos/amigas nos botecos da
vida. É a parte mais prazerosa, companheiro. Mas não sei exatamente. Estarei -
se o imponderável não atrapalhar - no segundo turno aí em São Paulo, vendo a
vitória petista de Haddad, candidato do Lula (sabido esse nosso Lula, aprendeu
a ganhar eleição depois de perder três seguidas). E, claro, gozando a derrota
do Serra Malafaia.
Depois
passo novembro na velha e querida Cuba, tomando ron com “uns amigos que lá
deixei”. Depois não sei, mas “qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” e
tomar umas e outras, que “ninguém agüenta tanta sobriedade”, como diz uma cara
amiga.
Por
enquanto, ainda tenho uma semana por aqui tomando “ginebra”, que é mais barato.
Vou agora mesmo tomar uma num barzinho aqui de Montalbán, que já “trabalhei”
demais hoje.
No(s)
vemo(s), como dizem os cubanos (e também os venezuelanos), assim engolindo o
“s”.
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