sábado, 10 de março de 2012

Artigo de Lucio Flávio Pinto: O tiro pela culatra do juiz


Desde que a ministra Eliana Calmon, corregedora-chefe do Conselho Nacional de Justiça, disse que há bandidos de toga no judiciário, ninguém provocou tanta celeuma quanto o juiz da 1ª vara cível de Belém do Pará. O que Amílcar Roberto Bezerra Guimarães disse no seu blog pessoal na internet está rodando e espantando o mundo.
Exagero?
O distinto leitor que revolva sua memória atrás do registro de um magistrado que, no pleno exercício do seu ofício (ou múnus, como se diz do juridiquês), haja declarado:
— Que não acredita na justiça.
— Que considera válido resolver diferenças e litigâncias à base da violência (ou, conforme ele disse: dos sopapos).
— Que interpreta como benesse o que devia ser a pena máxima na carreira jurídica: a aposentadoria compulsória com rendimentos proporcionais ao tempo de serviço para os maus juízes.
— Que trata a parte, já submetida à sua tutela jurisdicional ou ainda dela dependente, com o uso de expressões como babaca, pateta, canalha e covarde.
O que um ou outro magistrado disse alguma vez, em geral por inadvertência (e depois desmentiu), o juiz Amílcar afirmou de uma só vez, com todas as letras, sem tergiversações. Disse, confirmou, reafirmou e aditou novas declarações e expressões chocantes ao repertório inicial de barbaridades.
Antes que pudessem ser analisadas, suas sandices provocaram surpresa, estupor, espanto, choque. O cidadão comum provavelmente jamais imaginou que tais considerações pudessem sair da mente e atravessar a boca e a ponta dos dedos de um juiz. Daí o título do meu artigo anterior: "Isto é um juiz?".
É. Mas já não devia ser. Alguma providência devia ter sido tomada pelo canal competente para afastar Amílcar Guimarães do exercício de uma importante vara cível na 10ª maior capital do país, com 1,5 milhão de habitantes.
Esse juiz encerrou a mensagem no seu facebook, em si uma anomalia, por se constituir de notas mundanas, pedindo ao seu contendor, que é este escriba:
"Eu quero me aposentar. bem que esse otário do LFP poderia fazer uma reclamação no CNJ. Juro que não me defendo e aceito a aposentadoria agora. Me ajuda, babaca!!!!!!"
Confesso ser essa a primeira vez que me tratampor babaca. Não faço jus ao título, depois de 46 anos de jornalismo. Por isso, não cometerei a babaquice de dar ao juiz o que ele quer, aquilo pelo qual implora (não é o sentido de tantos acentos de exclamação?).
Ser chamado de babaca não me ofende. Mas é um escárnio à Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Ela já era considerada inadequada, ultrapassada, incapaz de funcionar como instrumento de autocontrole do poder judiciário.
Agora ficou inútil. Foi rasgada e atirada ao fogo pelo juiz Amílcar Guimarães. E o Conselho Nacional de Justiça, executor desse regulamento, se transformou em figura de retórica, ocioso, obsoleto.
No início de um ciclo de escândalos, que, nos últimos anos, projetou a justiça do Pará como uma das mais tristemente famosas do país, uma recém-promovida desembargadora ganhou a sinecura que fascina o juiz.
Foi mandada para casa, sem precisar mais trabalhar, com salário superior a 20 mil reais por mês. A causa da sua aposentadoria compulsória: Tereza Murrieta sacava, como se fora seu, dinheiro depositado em banco estadual, em nome da justiça, por efeito de demandas que tramitavam pela vara da qual ela era titular. O estelionato foi premiado.
Depois que suas palavras incendiaram a rede mundial de computadores, Amílcar Martins se defendeu ao seu estilo. Disse que se eu podia "satanizá-lo", declarando-o corrupto, ele, no exercício do mesmo direito de expressão, podia me chamar de canalha, covarde, babaca.
Eu nunca o chamei de corrupto nem disse que ele vendeu sua sentença iníqua, ilegal. Se tivesse provas ou informações seguras de que ele recebeu dinheiro para lavrar aquela "coisa", eu o denunciaria por esse cometimento. Mas, sem provas, nada declarei.
Só afirmo o que posso provar. Por isso nunca fui desmentido em toda a minha carreira profissional. É o meu maior patrimônio.
Eu disse que a sentença era ilegal porque ele já não tinha mais identidade física com o processo. Para suprir essa falha, fraudou a data da sentença, dando-a como do dia 17, quando era do dia 21, segundo dia de função no cargo da juíza titular, que ele substituíra por um único dia.
Provas da fraude: certidão do secretário do cartório, que tem fé pública, e atestado sobre as datas fornecido pelo departamento de informática do tribunal.
Em sua defesa, o juiz estabanado diz que decidiu dar a sentença para aproveitar a oportunidade que o meu "caso" lhe oferecia. Era uma ação de indenização por dano moral, proposta no ano 2000 por aquele que os órgãos do governo, de forma unânime, classificam como o maior grileiro do Brasil.
O empresário Cecílio do Rego Almeida (falecido em março de 2008, mas que permaneceu como autor da ação, sem sucessor habilitado, até o final de 2010, dois anos e meio depois) queria ficar com 4,7 milhões de hectares de terras, rios, florestas e tudo maior.
Ou 47 mil quilômetros quadrados, área 25 vezes maior do que a do município de São Paulo, onde vivem 11 milhões de pessoas. Equivalente a 8º do Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira.
Há muito tempo o juiz tinha ideias supostamente próprias e originais sobre a liberdade de imprensa. Com aquele processo subitamente nas suas mãos, iria pôr em prática suas libações jurídicas.
Por isso sua espantosa declaração à Folha de S.Paulo de que me condenou sem ler o conteúdo daqueles autos, com 400 páginas de provas e argumentações. O juiz tinha interesse pessoal na causa, como confessou ao ser por mim interpelado perante a corregedoria de justiça, em 2006, ano da condenação.
Além de fraudar os autos com a sentença ilegal e adulterada, decidiu na ignorância do que havia naquelas 400 folhas. O processo foi estuprado duas vezes por aquele que devia ser o seu guardião. Foi sentença em vôo cego. A primeira confessada de público. Antes, delas só se sabia por murmúrios.
Mas se o juiz já tinha sua tese revolucionária sobre a liberdade de imprensa na ponta da língua, por que não pediu o processo na quinta-feira? Por que só o fez no dia seguinte, o último da sua interinidade na 4ª vara, depois das 10 da manhã de uma sexta-feira, o consagrado dia nacional da cerveja (que ele bebe e posta foto bebendo) no Brasil?
E por que, deixando a iniciativa para a undécima hora, não a executou antes das 20 horas daquela sexta-feira, 17 de junho de 2006, quando terminava o expediente forense?
Se respeitasse o horário, mesmo sentenciando de forma controversa, teria agido dentro da lei. Ora, a lei, diria o juiz. Ela, ao perdedor, parafraseando por inversão o velho Machado de Assis.
Ou a inspiração veio de forma súbita? Quem sabe, durante uma partida de tênis jogada na véspera do dia derradeiro da interinidade, quando o juiz testou sua maestria com a raquete se defrontando com outro bom jogador, também advogado e igualmente interessado na causa, numa das quadras da Assembléia Paraense, o clube aristocrático de Belém?
Dá para pensar nisso. Pode ter sido por um ato falho que o juiz me desafiou a medirmos forças numa partida de tênis, ao invés de me aplicar sopapos. Aplaudiu os sopapos que o advogado (e dono do grupo Liberal de comunicações, afiliado à Rede Globo de Televisão) Ronaldo Maiorana me desferiu, com a cobertura de dois Policiais Militares, transformados em seus seguranças particulares.
Um juiz de direito, árbitro das divergências pelo cumprimento da letra da lei, como tem que ser nos regimes democráticos, dos quais a justiça é a base principal, a favor da violência.
O juiz é megalomaníaco e mentiroso. Suas mensagens chocantes servem de advertência para os que querem evitar um controle externo do poder judiciário de verdade. Sem esse controle, novos juízes como Amílcar Guimarães vão aparecer. E se multiplicar como praga daninha.

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