Artigo de Vicente Cidade
Nesta semana que vai terminando tive a oportunidade de encontrar com o competente Profº. Maurílio, ex secretário da SEDCT, onde trocamos não mais que uns três minutos de ‘prosa’ sobre a Vale, mas, ainda que curta, a conversa me fez pensar mais sobre o assunto. Daí, dado o “estalo”, resolvi escrever esse artigo para externar minha convicção de que, infelizmente, o pólo siderúrgico em Marabá deixou de ser uma realidade para voltar a ser um sonho distante para a sociedade paraense.
No artigo construo claros argumentos para demonstrar que a usina de aço da Vale, a ALPA, que seria a indústria motriz deste pólo, não mais será construída, pelo menos enquanto não houver um novo alinhamento de forças políticas no âmbito nacional e estadual, que convirjam para uma visão de mundo convergentes.
O artigo é relativamente extenso para uma postagem, mas como não gosto de separar idéias, vou fazer só uma postagem pedindo a paciência e compreensão dos leitores.
1) O PARÁ QUER SER GRANDE
O estado do Pará sempre se ressentiu de sua condição de mero exportador de bens primários, com pouca agregação de valor e quase nenhuma verticalização da produção. Infelizmente essa realidade parece ainda estar longe de mudar, pois continuamos exportando gado em pé, madeira serrada, frutos e grãos, peixes e, principalmente minérios.
Com relação a atividade mineral, tivemos a esperança de que dias melhores estavam por vir com a esperada implantação do pólo siderúrgico e metal-mecânico na região sudeste do estado, muito festejado, que inclusive chegou a ter suas obras iniciadas perante a presença do presidente Lula e da governadora Ana Júlia.
Ocorre que agora estamos diante da possibilidade concreta da perda dessa grande oportunidade histórica.
2) A IMPORTÂNCIA DA ALPA
A Aços Laminados do Pará – ALPA, é uma empresa do grupo Vale, que produzirá(?) aço a partir de suas instalações no distrito industrial de Marabá, com a utilização das matérias-primas oriundas de suas minas exploradas na região sudeste do estado. Representa portanto uma nova etapa do processo produtivo, que é chamado na economia de verticalização.
Com esse processo de verticalização, a Vale deixaria de ser mera produtora de “buracos” ou gusas para se tornar produtora de aço, que ainda hoje é a forma de ferro mais demandada pela indústria mundial. Assim, a produção de aço tem o poder de tração de outras indústrias, que tem no aço a seu principal insumo, assim, via de regra, os estudos de localização industrial quase sempre apontam para a oportunidade estratégica de posicionamento perto do principal insumo, quando este é volumoso ou pesado, caso do aço.
Portanto, a estratégia de implantação da ALPA, está sedimentada na possibilidade de que ela, a ALPA, possa servir como indústria motriz para atração de outras empresas e, a partir disso, ocorra a formação de um grande pólo industrial na região sudeste do estado, capaz de irradiar efeitos sinérgicos na economia do Pará como um todo.
3) A ALPA NÃO VEIO POR ACASO, ELA É UMA COMPENSAÇÃO ECONÔMICA
Cabe aqui ressaltar que a firmeza com que a ex governadora Ana Júlia e o ex presidente Lula impuseram à Vale a implantação da ALPA, foi fruto do resgate de uma visão desenvolvimentista que havia se perdido para o estado.
Ou seja, quando da implantação dos grandes projetos na Amazônia, se pensava que estes poderiam atuar como alavancadores de um processo de verticalização produtiva, isto pautado nas teorias desenvolvimentistas da polarização e da capacidade de irradiação de indústrias motrizes e seus efeitos de derramamento econômico. Contudo, o que ocorreu na prática foi a implantação de projetos sem a capacidade de gerar sinergia com a economia local, o que ficou conhecido como modelo de enclaves.
Esses enclaves foram se consolidando na medida em que após as implantações das suas etapas primárias, nas décadas de 70 e 80 o estado brasileiro perdeu a sua capacidade de financiamento do desenvolvimento e, posteriormente, já na década 90, houve o fortalecimento da agenda neoliberal no país, da consolidação do Estado Mínimo, o que culminou com o processo de privatização das empresas estatais, entre elas a Vale. A Vale privatizada passa então a se especializar apenas na produção das chamadas commodities minerais, sem verticalização, ancorada na desregulação econômica do estado tucano.
Já no governo do PT, nos anos 2000, o presidente Lula abandona a agenda neoliberal e retoma a regulação do estado na atividade econômica, criando as condições necessárias para que o governo voltasse a intervir no financiamento do desenvolvimento das regiões. Foi nessa conjuntura, de mobilização pelo desenvolvimento, que a governadora Ana Júlia conseguiu sensibilizar o presidente Lula e colocar na pauta nacional a verticalização da economia mineral do Pará.
Fica claro que a vinda do projeto ALPA, não desejado pela Vale, se dá num ambiente de forte pressão governamental sobre a empresa, pautado numa lógica de indução do desenvolvimento regional e, sobretudo, na decisão política de proporcionar uma compensação econômica ao Pará, que além de mero exportador de minério, ainda teve o forte impacto da desoneração fiscal imposta pela chamada Lei Kandir, idealizada no governo tucano de FHC.
Vale destacar, que para tornar o projeto da ALPA viável economicamente e romper com as fortes resistências da Vale, tanto o governo estadual como o federal fizeram inúmeras intervenções de políticas públicas, que foram desde de investimentos em infraestrutura, como desapropriação de terras, priorização na aprovação das licenças ambientais, criação de leis de incentivos, entre outras.
Portanto, com Lula e Ana Júlia o projeto estava, de fato, em fase de implantação.
4) O PARÁ NA CONTRA MÃO DA HISTÓRIA E A COMPLACÊNCIA DE JATENE COM A VALE
Com a vitoria de Jatene, o Pará se vê frente a uma reação da Vale, que passa a postergar os investimentos na ALPA, que já alongou o seu cronograma de implantação de 2014 para 2018, onde inclusive o seu plano de investimento não previu alocação de recursos no projeto em 2012.
A Vale vem justificando seu posicionamento, alegando que os governos federal e estadual não vem cumprindo com as suas etapas no cronograma. Do governo federal cobra a demora em assumir as obras de derrocamento do Pedral do Lourenço no Rio Tocantins, já do governo estadual aponta a insegurança causada pela demora na desapropriação de uma área da Fase III do distrito industrial.
O governo do Pará, agora conduzido por um ex consultor da Vale, adota uma postura dúbia, num primeiro momento de complacência com a empresa, “estendendo tapete vermelho” para que o presidente da Vale viesse ao estado dizer que o atraso das obras era culpa do próprio governo do Pará e do governo federal. O governador Jatene, para fazer média, arma um palanque para tentar impor à presidenta Dilma o desgaste da decisão da Vale de paralisar a implantação da ALPA.
Contudo, num outro movimento extremamente equivocado, o governador estabelece a cobrança de uma tarifa sobre a atividade mineradora que impacta diretamente a implantação do projeto, o que representa aumentar os custos de produção da empresa para atuar no estado, exatamente no momento em que o mercado de aço no mundo está em baixa. Um grande contrassenso.
Ora, enquanto Lula e Ana Júlia tentaram viabilizar a operação de implantação do pólo siderúrgico e metal-mecânico numa região periférica, onde reconhecidamente os custos operacionais das empresas são maiores, Jatene, ao contrário, aumenta a tributação sobre a atividade no estado, mesmo sabendo que a medida atingiria em cheio a decisão de implantação da empresa.
Portanto, fica evidente que o governador Jatene está estimulando a Vale a desistir da implantação da ALPA e o que parece mais evidente ainda é que o governador fez uma opção concreta pela não criação do pólo industrial, desde que a Vale pague pelo minério bruto extraído do solo paraense. Ou seja, Jatene preferiu um arranjo imediatista para arrecadar mais e mais rápido, do que o estímulo ao desenvolvimento do estado.
5) O MERCADO DE AÇO ESTÁ ESTAGNADO
Com a crise econômica que vem assolando o mundo desde 2008 e que continua impondo fraca recuperação à economia americana e estagnação das economias dos países da zona do Euro, o mercado mundial de aço vem experimentando uma grande estagnação, com o volume de produção mundial estagnado aos níveis de 2007. Enquanto isso, o minério de ferro, que tem como principal demandante a China, continua em franca expansão, inclusive com os preços pagos pela tonelada variando positivamente mais de 150% nos últimos três anos.
Ou seja, enquanto o mercado de aço patina, o de minério de ferro vai muito bem. Portanto, na lógica privada, é evidente que o momento é de segurar os investimentos na implantação de unidades industriais de aço e concentrar esforços na ampliação da produção de minério de ferro. Não nos esqueçamos de que a Vale é uma empresa de capital aberto, cuja suas decisões estratégicas impactam diretamente na capacidade de aportar recursos no mercado financeiro.
Isto posto, o “mercado” vem pressionando a empresa a desistir do projeto, por conta de uma avaliação de conjuntura desfavorável ao aço, com reflexos nos preço e, obviamente, nos lucros da empresa, alegando que, na lógica privada dos acionistas, não há razão para investir em siderurgia.
6) SÓ A POLÍTICA TRARÁ A ALPA DE VOLTA
A conclusão deste artigo é que assim como foi a política que trouxe a ALPA para o Pará, é ela também que está levando embora e, evidentemente, só ela terá condições de trazê-la de volta. Afirmo isso com convicção, pois, basta olhar os ciclos políticos para percebermos que a indução ao desenvolvimento não é mera obra do acaso, ela perpassa por ações de políticas públicas que dependem fundamentalmente do alinhamento político entre o governo federal e o governo estadual.
Nesse sentido vejamos o seguinte:
No primeiro ciclo político, onde tivemos o PSDB governando o Brasil e o Pará, vivemos a era da “Privataria Tucana”, onde a Vale foi privatizada e os interesses da empresa passaram a vigorar apenas pela ótica privada, sem que o estado pudesse intervir em suas decisões.
Já num segundo momento, tivemos o PT governando o Brasil com Lula e o PSDB governando o Pará com Jatene, esse ciclo se notabilizou pela inoperância do governo estadual, onde o Brasil avançou e o Pará ficou para trás, estagnado.
Posteriormente, o PT reelegeu Lula no Brasil e elegeu Ana Júlia no Pará. Nesse ciclo o Pará viu o sonho da verticalização mineral se tornar realidade com a vinda da ALPA. Porém todos sabem que não foi fácil, a governadora precisou ter muita persistência para colocar a pauta da verticalização mineral do Pará na agenda nacional do desenvolvimento do Brasil. Por outro lado, o presidente Lula tinha também a convicção de que precisaria exercer uma forte pressão sobre a Vale, e ele o fez, porque a visão desenvolvimentista de Lula e Ana Júlia convergiram para a necessidade de se levar o desenvolvimento para as regiões ultraperiféricas do país.
Contudo, nesse momento, estamos novamente numa relação distante entre as visões de mundo do governo federal, com a presidenta Dilma do PT e do governo Jatene do PSDB. Enquanto a presidenta Dilma quer impor à Vale maior participação e protagonismo na estratégia de desenvolvimento do país, o governador Jatene, como vimos, não tem interesse em criar essas condições. Ou seja, Dilma pensa em desenvolvimento, Jatene pensa em arrecadação.
Portanto, projetando pra frente essa dinâmica dos ciclos políticos, percebemos que, a se manter para o período 2014/2018 a mesma correlação que se encontra hoje, podemos dar adeus ao pólo siderúrgico de Marabá. Da mesma forma, se ocorresse um novo alinhamento político do governo federal e estadual em torno dos tucanos, certamente a ALPA também deixaria de ser implantada, haja vista que a relação dos governos tucanos com as empresas privadas é de não intervenção, por suas crenças no Estado Mínimo.
Assim sendo, somente o alinhamento político entre governos com visão desenvolvimentista, como ocorreu no período Lula e Ana Júlia, será capaz de reverter esse quadro de perda da ALPA. O sonho se esvaiu !!
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